Uma cançoneta de vaudeville assumidamente demodée, composta
como assumido pastiche das revistas da década de 20 por Geoffrey Stephens,
autor de programas humorísticos, rábulas radiofónicas e ocasionais sucessos do
teatro musicado. Levava-se tão pouco a sério que jamais antecipou o êxito
planetário deste seu tema, um dos mais tocados em 1966 nas rádios de quase todo
o mundo.
A brincadeira era tão óbvia que foi preciso improvisar uma
banda quase tão fictícia como a Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band que
os Beatles celebrizariam um ano mais tarde.
The New Vaudeville Band, reunida para a gravação do single,
tinha o fascínio do seu próprio amadorismo nesta homenagem serôdia aos velhos
salões de dança, acentuada pelos traços caricaturais do vocalista John Carter,
usando um megafone em sátira aos cantores da era anterior à generalização do
microfone – o mais célebre dos quais foi Rudy Vallee.
A cantiga, egou de estaca. De tal maneira que nesse final de
1966 atingiu o quarto lugar nos tops britânicos e cruzou o Atlântico, onde
chegaria à primeira posição nas vendas, competindo em Dezembro com Good
Vibrations, dos Beach Boys. Pouco depois receberia o Grammy como melhor canção
do ano. Vendeu mais de três milhões de cópias em todos os continentes. E teve
inúmeras versões internacionais, incluindo uma portuguesa, do Quinteto
Académico.
De repente, a música parecia estar em todo o lado. Uma versão
quase simultânea interpretada por Dana Rollin foi igualmente um sucesso de
vendas. Os Shadows e a orquestra de James Last fizeram versões instrumentais do
tema, cantado em 1967 também por Petula Clark, Ray Conniff, Lawrence Welk e
Dizzy Gillespie. Até Frank Sinatra o gravou, embora sem resultados brilhantes.
Stephens, hoje com 82 anos, nem queria acreditar que a sua
cantilena, concebida quando olhava para uma imagem da Catedral de Winchester impressa num
calendário de parede, havia alcançado aquela repercussão, tornando-se um ícone
da música popular. De tal modo que o próprio Rudy Vallee, remota pop star do fonógrafo e da telefonia, também
fez questão de interpretar o tema em disco. Fechava-se um ciclo: o homenageado
associava-se assim à homenagem.
Há meses, pegando num
livro antigo, saltou-me lá de dentro a folha já amarelada com a letra de
Winchester Cathedral. E logo esse pedaço de papel me devolveu à soalheira sala
daquele segundo andar em Viana, às alegres aulas recitadas e cantaroladas em
inglês, ao Pai exercendo aquilo que mais gostou de fazer na vida - ensinar.
As canções também têm este dom: são capazes de nos
transportar a qualquer momento a um passado que pensávamos já definitivamente
sepultado na memória. Como escreveu Fernando Pessoa, pela pena do seu
heterónimo Ricardo Reis, "em tudo quanto olhei fiquei em parte".
Substitua-se neste caso "olhei" por
"escutei": vem a dar no mesmo.
«Winchester Cathedral / You're bringing me down / You stood
and you watched as / My baby left town. // You could have done something / But
you didn't try / You didn't do nothing / You let her walk by.»
Pedro Correia “As canções da Minha Vida”
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