sábado, 19 de novembro de 2011

Hermeto Pascoal no Berbican Center, Londres


Dentro de uma casa-de-rosa numa rua arborizada no subúrbio, em Curitiba, Brasil, senta-se um homem de 75 anos de idade, vestindo calças brilhantes tons azuis, e ténis de skate. Acaricia a sua barba prateado, estilo ZZ-Top. Ao seu redor centenas de peluches acumulam-se em prateleiras e muitos bibelots: pássaros, ursos e bebés numa chama de vermelhos, verdes e amarelos.
"Tudo o que você vê aqui é um instrumento," assinala com as mãos o homem, apontando com entusiasmo para aquela parafernália peluda. "São todos instrumentos!"

Bem-vindo à casa de Hermeto Pascoal, um dos compositores mais excêntricos, prolífico e criativo do Brasil, que uma vez foi descrito por Miles Davis como "um dos músicos mais importantes do planeta".

Agora já a entrar na sua oitava década, Hermeto Pascoal - que irá fazer uma rara aparição no Barbican em Londres, em 20 de Novembro acompanhado por uma grande "all-star" banda britânica - afirma que não tem planos para se aposentar.

"Muitos dos artistas da minha idade estão parando - Eu sinto que estou apenas começando", diz ele, no seu sotaque do nordeste distinto. "Na minha cabeça, há sempre mais coisas novas. Não seria justo e deveria ser muito chato, se um bando de tipos velhos, da minha geração morressem ou adormecessem no palco. A minha preocupação principal, é a inovação."

A palavra inovação tem sido sinónimo de Pascoal, cujo talento para fazer música com praticamente qualquer coisa, já lhe rendeu o apelido de o Mago.

Um virtuoso pianista, acordeonista, e flautista, há muito tempo que tem preferido formas um pouco menos convencionais de produzir sons e fazer músicas: guardanapos, tapetes, cadeiras, canecas cerveja, corpo, utensílios de cozinha, mesmo os animais, tendo inclusive utilizado já um porco, num dos seus álbuns de 1977.
"Eu não gosto de usar instrumentos ou sons, préviamente definidos. Eu gosto de transformar as coisas em sons e instrumentos," ele admite. "Tenho recebido muitos instrumentos de pessoas que me admiram, mas eu raramente os uso porque gosto de pegar em qualquer coisa velha e começar a "tocá-lo", transformando-o num instrumento."

Chamar multi-instrumentista a Hermeto Pascoal é um eufemismo. Questionado sobre quantos instrumentos é que toca, ele gagueja por alguns segundos, estranhamente sem palavras.

"Olha, não há, não há ... A quantidade de instrumentos para mim, é infinita - onde quer que eu toque, é um instrumento. Uma cadeira é um instrumento, uma mesa é um instrumento Há tantos instrumentos....Para mim, os músicos são como pintores. Se tocam um instrumento, têm que no mínimo, mudar o estilo que interpreta cada uma das suas canções. Tocam apenas um instrumento, da mesma forma, como aquelas pessoas que tocam música clássica e apenas tocam música clássica, ou aqueles que tocam jazz e jazz só. Isso é muito monótono, muito aborrecido. "

A descoberta do estilo musical de Hermeto Pascoal é igualmente complexa. Ele rejeita os termos, jazz,música popular brasileira (MPB), bossa nova, chorinho ou forro, os quais são elementos integrantes dos seus shows e gravações.

"Eu não quero tocar apenas um estilo. Eu toco quase todos", orgulha-se, durante uma entrevista de duas horas em sua casa aonde vive com a sua parceira, a cantora Aline Morena, de 32 anos. Em vez disso, ele chama musica universal. "Ela vem do universo, é por isso que eu chamo musica universal", diz ele. "É uma energia que nunca pára. Paira sobre nós onde quer que estejamos.

"Não é um modismo. Eu não gosto de rótulos. Mas a única coisa que posso aceitar como um rótulo é musica universal. O Brasil é o país com o maior número de povos de todo o mundo. Assim, o mundo é o Brasil. O Brasil tem todo o mundo aqui. Então, por que não deveríamos estar em casa com a música do mundo? "

Hermeto Pascoal passou a maior parte dos últimos quatro décadas em tourné por todo o mundo, mas vem de um meio, humilde e rural, no nordeste do Brasil. Nasceu em Olho d'Agua, um pequeno assentamento rural perto da cidade de Lagoa da Canoa, no estado de Alagoas.

"Eu nasci em 22 de Junho de 1936 Estava a chover,. Muita chuva."

Enquanto os pais de Pascoal trabalhavam nos campos, o seu irmão mais velho ensinava-lhe música. Hermeto Pascoal, um albino, tinha um incentivo extra para permanecer no interior, na sombra da sua casa e praticar a flauta e o acordeão, longe do sol feroz. Aos oito ou nove anos de idade, já eles animavam as festas locais. Em 1950, quando Hermeto Pascoal tinha 14 anos, a família mudou-se para Recife, capital do estado do mesmo nome, e ele continuou a desenvolver as suas
capacidades de musico, tocando em shows da rádio local.

Mais tarde, seguiu para o sul para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo, aonde formou o Sambrasa Trio com o baterista e percussionista Airto Moreira, formação de vida curta, mas muito influente durante a década de 1960. Foi Moreira quem levou Hermeto Pascoal para a sua primeira incursão internacional - uma viagem para os EUA que culminou numa reunião com Miles Davis, que passou a gravar duas das suas faixas no seu álbum de 1971 Live-Evil.

Foi o início de uma carreira internacional que levou Hermeto Pascoal a construir uma carreira internacional como um dos compositores mais produtivos e diversificado em todo o mundo.

No ano de 1996, colocou com objectivo pessoal a tarefa de compor uma música por dia, com todas as composições registadas num livro chamado Calendário de Som.Confessei-me impressionado Hermeto Pascoal retorquiu:
"Jovem, eu compus cinco vezes mais do que isso depois que o livro saiu". "Eu componho o tempo todo, o tempo todo. Ontem eu compus dois temas!,Por vezes, vou para a "estrada", em tourné, e deixo ficara em casa os meus cadernos de apontamentos, de propósito, para vêr se descanso.Mas não consigo. Fico louco sem compor... sou assim como as pessoas que usam drogas, ou que fumam,e não conseguem libertar-se desses vicio. Isto escrevi no avião", continua ele, segurando um guardanapo de uma bandeja de comida da Lufthansa. Todo preenchido, com semi-colcheias e claves de sol.

"É a parte superior da bandeja de comida. Mas é tão maravilhosa, tão importante quanto qualquer outra composição que eu já escrevi.As canções são minhas amigas. São crianças. Meus parceiros. Meus amigos. Percebeste? São personagens. Quando uma música entra na minha mente, é como se uma pessoa me esteja a visitar. Eu começo a falar, eu começo a conversar com eles , eu começo a escrever, e nada pode me parar."

Hermeto Pascoal vai apresentar-se em em Londres, no Berbican Center, no próximo dia 20 de Novembro com uma banda que foi especialmente reunida, para o acompanhar pela primeira vez em 1994 no Queen Elizabeth Hall em Londres. Na altura John Fordham descreveu o show como "um dos concertos de jazz mais electrizante, realizado no South Bank".

"O repertório é enorme. Nós temos sempre um monte de canções", diz Hermeto.
"Eu não faço uma seleção - poderia mudar no meio do show ... Nós temos que ter um monte de músicas, para quando se sente algo, podermos tocá-lo de imediato."

Há pelo menos uma certeza sobre o show de domingo: Hermeto Pascoal será acompanhado no palco por dois outros pesos pesados da música brasileira, o harmonicista Gabriel Grossi e o bandolinista Hamilton de Holanda. Dois dos mais excitantes jovens de uma nova geração de músicos brasileiros, Pascoal chama-lhes a "gang nova".

Peluches também poderão aparecer no palco de Barbican Center.
"Eu vou levar algumas bonecas para a big band, apenas para surpreender os músicos. A seu tempo, vou entregá-los aos músicos e eles não vão ter a mais pequena ideia do que estará a acontecer.

De volta ao Brasil, o sempre espirituoso "cota" de 75 anos de idade, tem planos para um novo CD - gravado inteiramente com sons produzidos pelo seu próprio corpo - e planos para criar uma escola de música chamada Templo do Som.

De onde vem toda essaa energia?

"As pessoas me perguntam," Hermeto, tu drogas-te? '", Eu responde. "Eu digo: Não, eu já sou a droga em si!"

By: Tom Phillips

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