terça-feira, 22 de novembro de 2011

Os Rebeldes de Nova Lisboa


Da Esqª para a Dtª: António Matos Carlos, Fausto Bordalo Dias, Francisco António Matos, Manuel Luis Silva,e Vicky Paes Martins

Não me lembro do nome da rua. Era no bairro Académico, uma paralela à avenida do Liceu, quase em frente à Escola Industrial e bem perto da casa do Dr. Fonseca Santos. Em 1962, vindos do Lubango, Sá da Bandeira, a minha família veio para ali morar e foi ali que se começaram a entoar os primeiros acordes dariam lugar ao nascimento de “OS REBELDES”.

Ali próximo morava um “puto”, recém chegado da “Metrópole”, bastante desinibido para a época e que tinha como um dos seus ídolo os Gatos Negros do Victor Gomes. Não se inibia de, com uma viola eléctrica vermelha que o pai lhe oferecera e sem qualquer ligação a qualquer aparelhagem de som, ou seja, quase sem som, dar verdadeiros shows muitas vezes nas esquinas e à boa maneira de um verdadeiro “Rockeiro”.

Eu e meu irmão Manuel Luís, também éramos entusiastas da música e já há algum tempo que dávamos uns toques de viola nos tempos livres quando, no Lubango, Sá da Bandeira, participávamos nas serenatas da praxe naquela que chegou a ser denominada a Coimbra de Angola.


E foi assim que eu, o meu irmão e o Rufino, assim se chamava o tal “puto”, nos começámos a reunir em nossa casa, começando a tocar em conjunto. No Liceu, fizemos amizade com outros colegas entusiastas da música e logo se juntaram a nós o Tony Matos que tinha gosto pela bateria e o Zé Rui Mascarenhas, um tocador e cantor de Mornas que muito bem executava como bom Cabo-Verdeano que era. Estava formado o grupo inicial do grupo “OS REBELDES”!

As dificuldades monetárias para a obtenção de instrumento, obrigaram o grupo a iniciar-se na Associação Africana do Huambo, que funcionava naquele edifício redondo junto ao Bar Faria na Granja e que possuía instrumentos nos disponibilizaram. No entanto, esta solução não foi avante e logo apareceram os problemas relacionados com os instrumentos, local de ensaio, etc.

Foi então que surgiu, podemos dizer, o grande entusiasta da formação do conjunto, o pai do Tony Matos, na altura funcionário dos Serviços de Economia em Nova Lisboa que logo nos disponibilizou para local de ensaios, a garagem lá de casa que se situava no Bairro Azul, lá pela Cidade Alta. Foi também com a sua preciosa ajuda que foi possível a aquisição de alguns instrumentos na conhecida loja da especialidade lá da terra, a JOFRAMA.

Justiça seja feita, foi devido ao apoio deste grande senhor, António Matos de seu nome, que “OS REBELDES” vingaram e vieram a ser um grupo de jovens músicos amadores que, dentro das suas limitações, muito deram ao entretenimento da época em Nova Lisboa.

Com garagem para ensaiar, alguns instrumentos adaptados e outros adquiridos na JOFRAMA, passámos à fase de dar a conhecer ao público o nosso projecto. Assim, conseguimos chegar ao contacto com o Rádio Clube do Huambo que concordou ajudar-nos, lançando a ideia de promover um concurso para escolha do nome do novo conjunto.

Foi então pela mão do conhecido Ribeiro Cristóvão que começámos semanalmente a ter uns minutos na programação do RCH, onde exprimíamos as nossas ideias e projectos, e tocávamos um tema musical do reportório que ensaiávamos. E foi desse concurso que saiu o nome de “OS REBELDES” tornando-se nossa Madrinha uma jovem estudante de nome Ana Maria Alexandrino, hoje esposa do Zé Rui Mascarenhas (o filho de ambos é neste momento um dos guitarristas do Rui Veloso).

Nas escadas do Cine- Ruacaná:
De baixo para cima: Francisco António Matos, Fernando Campas Nunes, Vicky Paes Martins, Fausto Bordalo, Rui Chaves
Daí ao palco do Cinema RUACANÁ foi um salto! De repente, vimo-nos a actuar num espectáculo que havia aos sábados à tarde tipo “CHÁ DAS SEIS” que se chamava “CÃ-CÔ. Foi neste espectáculo que OS REBELDES apareceram em público pela primeira vez sendo o Rufino o vocalista, o Zé Rui Mascarenhas o viola ritmo, eu, Luís Manuel Silva o viola solo, o Manuel Luís Silva, meu irmão, o viola baixo e o Tony Matos o bateria.

Esta foi a primeira formação do grupo ”OS REBELDES” e foi assim que, durante algum tempo, actuaram em diversos “FINS DE FESTA” tão habituais na época após as sessões de cinema no Ruacaná. Entretanto o Rufino abandona o grupo, entrando para vocalista um jovem do Vale do Queve de seu nome António Carlos, mais tarde conhecido por Tó-Cá, e a quem a malta também tratava por “cenoura” por ser ruivo.

Com algum reportório já ensaiado, iniciou-se a fase das actuações em bailes de Carnaval e Fins de Ano, nomeadamente e segundo me lembro no Sporting, no Atlético, na Cela, Santa Comba e outras localidades do distrito do Huambo, deslocações a Sá da Bandeira onde actuaram no palco do auditório do Rádio Clube da Huíla, uma actuação no Clube Ferrovia no intervalo de uma matinée dançante animada pelo Conjunto Ferrovia, (estou a ver o Fernando Moreira, baterista do Ferrovia aflito porque achava que o som das violas estava muito alto, mas tudo correu bem) etc.

Conjunto Ferrovia, acompanhando Vicky Paes Martins, a Revelação Yé Yé de 1967.
Na viola solo Afonso, na bateria Moreira, no baixo, Roque


Os conjuntos da altura em Nova Lisboa resumiam-se praticamente aos “monstros do Ferrovia” (no bom sentido, claro, quem não se lembra do velho Máximo no meio do salão de baile sacando do seu saxofone aqueles sons que muito justamente, faziam dos “bailes do Ferrovia” os melhores das redondezas e não só) e ao África Ritmos onde tocava o Campas Nunes , o Mindo (outro Cabo Verdeano que tratava a guitarra por tu), o saudoso Walter Correia, etc.

Era pois novidade o aparecimento de um grupo de um género diferente, o que tornou a garagem dos ensaios ponto de encontro de inúmeros jovens apaixonados pela música.

Por lá passaram o Fausto que viria a integrar o grupo mais tarde, o Bino Máximo, baterista e como sabemos filho do saxofonista do Ferrovia, o Rui Chaves que já era músico conceituado e também teria uma passagem pelo grupo, etc. Chegaram-se a fazer nos tais espectáculos do “CÃ-CÔ algumas actuações de elementos do conjunto isolados e com outros entusiastas.

Da Esqº para a Dtº: Fernando Campas Nunes, Rui Chaves, Vicky Paes Martins, Francisco António Matos e Fausto Bordalo Dias

Por exemplo, eu e o meu amigo Fausto actuámos em duo ao qual chamamos “OS APACHES”. Tocávamos músicas dos SHADOWS, entre as quais o famoso tema APACHE daquele inesquecível grupo. O Rufino chegou a actuar sozinho usando o nome “artístico” de “TONY ROCK”, e o António Carlos tornar-se-ia “TÓ-CÁ” numa dessas actuações a solo.

Este período que descrevi inicia-se, como já disse atrás, em 1962 e vai até 1965, altura em que eu e o Zé Rui Mascarenhas nos retiramos para Luanda para onde fomos prosseguir os estudos. Quando da nossa saída, entrou o Fausto para o meu lugar e o Vicky (um Rockeiro por excelência) para o lugar do Zé Rui Mascarenhas. Com estes novos elementos, o grupo melhorou imenso em qualidade.

As qualidades do Fausto aliadas ao verdadeiro “Rockeirismo” do Vicky, foram sem dúvida uma mais valia para os grandes sucessos que “OS REBELDES” vieram a ter, conseguidos em actuações nas mais diversas paragens de Angola.

Palco do Cine- Ruacaná.
Esqª, para a Dtª: Fernando Campas nunes, Rui Chaves, Fausto Bordalo Dias, Vicky Paes Martins, Francisco António Matos


Lembro-me do sucesso da actuação em Benguela e do culminar do sucesso em Luanda em 1965 (ou 1966??) no 1º concurso “Yé-Yé” realizado em Angola no Cine Esplanada Avis no bairro de Alvalade em que, em disputa com conjuntos vindos de toda a Angola, obtiveram um honroso 2º lugar logo atrás dos “ROCK’S” de Luanda, cujo vocalista era o famoso Eduardo Nascimento.
De lembrar que foi este concurso que trouxe os ROCKS a Portugal Continental pela primeira vez!

Daqui para diante, já não me lembro de pormenores. As contingências da vida foram fazendo com que cada um seguisse o seu caminho. Sei que o meu irmão Manuel Luís saiu do grupo, entrando o Rui Chaves (vindo dos ROCKS ) para o seu lugar e que depois passaram por lá uma série de músicos até à transformação dos REBELDES nos “ZORBAS” que continuaram a fazer um enorme sucesso. No entanto, seria interessante que alguém que tivesse vivido este período contasse o que sucedeu depois, ficando assim completa a história de como surgiram e se desenvolveram os conjuntos chamados “Yé Yé” da época, na nossa querida e martirizada Nova Lisboa.


Os Zorbas: João Leitão, Sapinho, Francisco António Matos, José António Rufino
A todo o pessoal daquele tempo que vier a ler esta pequena história, as minhas desculpas se algum destes factos contiver alguma omissão ou menos verdade. É que, caros conterrâneos, já lá vai quase meio Século, e isso “é tempo para burro” como se costuma dizer.

Autor: Luis Manuel Silva

1 comentário:

Vicky Paes Martins disse...

Quem da nossa geração, não recorda com saudade o conjunto "OS REBELDES" de Nova Lisboa.Não existiam os meios rápidos de comunicação que existem hoje, mas aos poucos, foi surgindo este nome, e era com imensa ansiedade, altura em que vivia no Alto Catumbela-Companhia de Celulose do Ultramar Português a 145 Kms. de Nova Lisboa, que esperávamos que o Rádio Clube do Huambo, colocasse uma música deste grande agrupamento, pelo qual passaram grandes músicos e grandes vozes, como a tua e a do Fausto.Corria o ano de 1965,mês de Mraço, estava eu de férias em Benguela com os meus pais, quando numa tarde, estando nós na praia e com um rário ao lado, sintonizado no Rádio Clube de Benguela, comecei a ouvir uma entrevista do locutor de continuidade aos" Rebeldes", onde todos falaram, mas tu, falavas por todos, sobre as prespetivas do conjunto e ideias que não tinham fim.Fiquei então a saber em direto que essa noite, iriam atuar no "KALUNGA" em Benguela, no intervalo do filme ao ar livre.Consegui convencer os meus pais e lá fomos os três, vêr o" filme dessa noite " O HOMEM DO DINER`S CLUB", com Danny Kaye, Cara Williams, Marta Hyer e Telly Savallas.Nunca vos tinha visto atuar ao vivo e essa foi a oportunidade que não poderia perder.O intervalo , durou cerca de 30/35 minutos, e durante esse espaço de tempo, que para mim foi muito pouco; lá estavam eles,OS REBLEDES atuando ao vivo Assim passei a conhecer pesssoalemente os "REBELDES" e aquele que maior "show" de coreografia deu, tu amigo VIcky, quando te deitaste de costas no palco, tocando a tua viola e cantando.Foi um espectáculo que nunca esqueci e que ficou na minha memória para sempre.Mal sabia que passados cerca de cinco anos (1970) iriamos ser grandes amigos em Nova Lisboa, amizade que se tem perpetuado pelo tempo. Depois tantos conjuntos em Nova Lisboa, onde me levavas aos ensaios, nomeadamente "CASA DAS BEIRAS", "ESCAPE LIVRE" e mais tarde já em Portugal os "BLUE JEANS".Guardo religiosamente o "single" com a dedicatória a este teu amigo,com as interpretações "Hey Baby", "Just Because" "I won´t Stan In Your Way e "Na Na Na Hey Hey Kiss Him Goode Bye.Parabéns Vicky pela tua brilhante carreira, e pelo teu legado musical.Aquele fraterno @br@o.Reis Mota.