terça-feira, 1 de novembro de 2011

True Stories Told Live, a nova moda nos pubs Ingleses.

Inspirados numa ideia que surgiu em Nova York, os londrinos estão a organizar eventos em pubs, aonde os clientes sobem ao palco para compartilhar histórias reais com uma plateia ávida, de diversão, e convívio.
Há quem tente explicar a nova moda como uma reação à presença excessiva das tecnologias que mediam as interacções humanas hoje em dia.
Para os organizadores dos eventos, no entanto, o seu sucesso tem uma explicação simples: ninguém resiste ao poder de uma história bem contada.
O ritual, batizado de True Stories Told Live (em tradução livre, Histórias Verdadeiras Contadas ao Vivo), obedece a um conjunto de regras.
As histórias devem ser contadas sem o uso de anotações, ou seja, usando apenas a memória. Não podem ser mais longas do que dez minutos. Têm de ser baseadas em factos reais. Qualquer um pode contar a sua história, basta inscrever-se antes. Cinco histórias são contadas em cada evento.
A terceira história em cada noite, deverá ser acompanhada com música - o que abre espaço para a participação de músicos, cantores ou compositores.
Outra característica marcante dessas noites regadas a histórias é o facto de a plateia não pagar um cêntimo para as ouvir. Como há mais inscritos do que o espaço é capaz de acomodar, os organizadores fazem uma triagem dos nomes.
A prioridade é dada aos mais novos - a ideia é permitir que um número cada vez maior de pessoas conheça o evento.
Por trás da iniciativa estão algumas figuras conhecidas dos mídia e das artes na Grã-Bretanha. Entre elas, o jornalista e apresentador de TV David Hepworth, ex-editor da influente revista de musica Mojo, hoje responsável pela revista The Word.
Hepworth ouviu falar de um evento que acontece em Nova York, baptizado de The Moth, onde as pessoas se reúnem para contar e ouvir histórias.
Em entrevista à BBC Brasil, confessou as suas intenções de levar o formato para Inglaterra, dada a sua curiosidade, e o desejo de vencer um desafio. E sobretudo, a sua fé no poder eterno de uma boa história.
'Fiquei curioso, queria saber se conseguiríamos fazer algo parecido'.

Como a entrada é gratuita, os organizadores não pagam "cachets" aos "artistas", além de os proprietários dos pubs,terem á partida a garantia de uma boa receita.
'Nós não pagamos pelo espaço. Se cobrássemos ingresso, o pub ia querer uma percentagem, o contador ia querer um "cachet". Então, não cobrar torna as coisas mais simples', explicou. 'Fazemos porque podemos e porque é divertido.'
O primeiro evento inglês aconteceu há dois anos. Hoje, a lista de contactos do True Stories Told Live já conta com cerca de dois mil nomes. E além de Londres, outras cidades britânicas como Brighton, Cambridge, Hebden Bridge e Cardiff também aderiram à novidade.
Hepworth acha que a atracção da noite reside num princípio muito simples. 'Histórias são a forma mais poderosa de entretenimento que existe'.
'Filmes são histórias, jornais são histórias. E isso não tem nada a ver com seu gosto. Quando se sai para ouvir música, tem de se decidir que tipo de música gostamos. Histórias, podem-se contar para qualquer pessoa'.
'A metáfora que eu uso é a do conto de fadas. Chapeuzinho Vermelho, os Três Ursos - todos seguem a mesma fórmula. Apresentamos um cenário, surge um problema, o problema é resolvido. Geralmente, isto funciona muito bem em dez minutos'.
'É algo muito satisfatório para os seres humanos. As pessoas gostam desse sentido ordeiro que existe numa história, no meio do caos em que vivemos'.
Resta entender o que o contador da história ganha com a experiência.
'O típico contador faz isso como um teste: 'Será que consigo?'', disse Hepworth. 'No fim, fica eufórico por ter vencido o desafio'.
'Mas também tivemos histórias horrendas, que funcionam como uma espécie de terapia. Algo do tipo: 'Vou dizer isto á frente de um monte de gente'. É um frio na barriga, é como actuar, num palco'.
Em Londres, os eventos são mensais. O mais recente, há duas semanas, aconteceu no pub The Compass, no bairro de Islington.
A sala não era muito grande e estava completamente lotada, com cerca de 80 pessoas. No canto, um bar. O clima era de expectativa e bastante adrenalina. Assim que o primeiro contador subiu ao palco, todos se calaram, hipnotizados.
Entre os contadores da noite estavam o engenheiro Paul Currie, de Christchurch, na Nova Zelândia.
Currie falou de sua experiência durante os terremotos que abalaram sua cidade natal no ano passado.
O cantor e compositor Philip Jeays descreveu uma temporada passada na França durante sua juventude e encerrou o seu depoimento com uma canção comovente, inspirada no compositor belga Jacques Brel.
O arquitecto John Knepler subiu ao palco iluminado para falar da sua luta para descobrir o que aconteceu ao seu tio judeu preso na Áustria durante a segunda guerra.
O cantor Richard Jobson, da banda punk The Skids, contou como conseguiu persuadir Lou Reed a ceder os direitos autorais da canção "Pale Blue Eyes", por uma quantia modesta, para que a música fosse incluída na banda sonora de um filme autobiográfico dirigido por Jobson.

A roteirista e actriz inglesa Sacha Hall, segunda a contar a sua história, fez o que talvez tenha sido o depoimento mais comovente da noite.
Contou uma história passad num gelado dia de Ano Novo, em Paris, há vinte anos, quando ela ainda era adolescente.
Tendo chegado à cidade acompanhada pelo irmão de 14 anos, paralisado, numa cadeira de rodas, Hall foi obrigada a procurar assistência de um profissional de saúde pela lista telefónica.
Depois de horas e inúmeros telefonemas, a adolescente finalmente obteve uma resposta afirmativa.
Uma hora mais tarde, uma senhora de cabelos completamente brancos, usando uma bengala, bateu na porta do apartamento.
A mulher prestou o auxílio desejado - fazer a higiene íntima do irmão de Sacha - e saiu sem aceitar pagamento, levando apenas um pote de mel que Sacha trouxera do sul da França.
Hepworth disse que Hall foi a sua contadora favorita da noite.
Segundo ele, a história da actriz abordou um tema comum aos eventos: a necessidade de dizer obrigado a um estranho. No caso de Hall, uma mulher cujo nome ela jamais saberá e que hoje, duas décadas mais tarde, provavelmente estará morta.
Outros temas comuns às histórias são a morte e experiências que tiram o contador do seu conforto quotidiano, como, por exemplo, crimes. Histórias militares ou histórias vividas por judeus - em geral, os pais dos contadores - também marcam presença. Ou experiências de pessoas que têm profissões extraordinárias.
'Uma das minhas favoritas foi a história de um cirurgião que descreveu como foi operar o cérebro do boxeador britânico Michael Watson'.
'Watson tinha sofrido um acidente seríssimo no ringue e o médico descreveu a operação, o barulho das serras, tudo em dez minutos. Achei empolgante.'
O próximo evento True Stories Told Live acontece no dia 16 de Novembro e será transmitido pelas ondas de rádio do Serviço Mundial da BBC.

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