terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

25 de Fevereiro 2019 - George Harrison, teria 76 anos.






George Harrison, em uma das poucas entrevistas que deu nos anos 80, disse: "eu Toco guitarra mais ou menos bem, escrevi algumas músicas, produzi alguns poucos filmes, mas nenhuma dessas coisas me define. Na verdade, eu sou alguém diferente a tudo isso". 

Chamaram-lhe "the quite Beatle" ou "o Beatle quieto". Trata-se de um mal-entendido, de uma etiqueta confortável, mas injusta e que nada tinha a ver com a real personalidade de George.
Foi o que teve o menor perfil público dos quatro. Uma espécie de Houdini, com guitarra, com uma capacidade quase mágica para escapar dos lugares desconfortáveis.

Se tivessem feito apostas aquando da dissolução do grupo, a maioria teria apostado que George se instalaria em um ashram indiano com pouco contacto com o mundo ocidental. Nada mais distante da realidade. Se bem que George tinha um lado espiritual, muito desenvolvido, mas também o contacto com o profano era quotidiano e voraz.
Harrison foi o Beatle das primeiras vezes. Foi o primeiro a lançar um disco solo, foi o primeiro a chegar ao topo das paradas, o primeiro a sair em turnê a solo, o primeiro a aventurar-se em fusões com a música de outras regiões: uma precoce world music, o primeiro a ter sucesso na produção cinematográfica, o inventor dos shows beneficentes.


Mas tudo isso não aconteceu porque a sua intenção era chegar primeiro, de ultrapassar todos os outros. Não havia em Harrison, a vocação, da avidez do pioneiro, mas sim a colocação em prática de um espírito livre, de alguém que se permitia pensar fora das estruturas convencionais e de se movimentar para aquilo que realmente desejava.

Era o mais jovem dos quatro fabulosos. Essa diferença de idade, mínima, de apenas um ano com Paul, manteve-se como diferença psicológica durante toda a trajectória do quarteto. Aquando da sua estadia em Hamburgo, quando ainda eram um quinteto (com Stu Sutcliffe e Pete Best, sem Ringo Starr na bateria), George escondia-se em algum canto quando a polícia passava, á noite, para não ser deportado, porque era menor de idade.
Esses dias na Alemanha, deram ao grupo uma ginástica e uma coesão que os consolidou. As seis horas diárias em frente ao público, todas as noites da semana, forneceram-lhes as ferramentas do ofício. O resto foi a capacidade para compreender uma época, e a combinação incomum de génios.

Desde o início, George teve que defender o seu lugar e tornou-se no guitarrista principal, o solista. Apesar das peculiaridades que isso implicava, em que os Beatles com Lennon como o outro guitarrista e o baixo criativo e protagonista de Paul McCartney. No primeiro álbum do grupo, não aparece como compositor, mas é o vocalista líder em um par de temas em que se destaca o Do you want to know a secret?


Lennon contou que ele e Paul nunca tinham pensado que os outros dois tivessem capacidades "canoras", "mas como o Ringo e o George tinham os seus fãs, decidimos compor para eles para eles".
Se bem certo é que no princípio George não escrevia, quando começou a fazê-lo foi subestimado pelos seus companheiros, além de se questionar como é que seria possível intrometer-se na dupla de compositores mais famosa do mundo George tinha consciência que seria muito dificil encontrar o seu espaço entre Lennon e McCartney o seu gênio e os seus egos enormes. 

Vários temas de George foram descartados e os que conseguiram chegar a ser gravados foram indiscutíveis maravilhas, músicas invencíveis, e eternas como Something, While my guitar Gently Weeps e Here Comes the Sun.Esta última deu a George um triunfo retrospectivo, póstumo: é a canção da banda mais ouvida no Spotify, com 266 milhões de visualizações supera todas as maravilhas de Lennon-McCartney. 

Durante a gravação de Let it Be, George Martin e os outros três, mas em especial McCartney que estava no controle da situação, e exercia uma espécie de poder despótico, rejeitaram várias de suas músicas: Let it Down, Isn't it a Pity e até Something.
Esse estado de tensão permanente em que vivem os Beatles durante a gravação dos seus últimos trabalhos, em que as drogas, o cansaço, os amores e as ambições de cada um colidiam permanentemente, George deixou o grupo depois de uma discussão com Paul. 
Nem gritos nem escândalos. Simplesmente disse que para ele já estava bem; sem drama despediu-se com um:"Com certeza que nos veremos em uma dessas noites em algum clube".


Surpreende que nas duas ocasiões em que um membro colocou um limite e anunciou que iria abandonar o grupo (Ringo havia feito meses antes, enquanto gravavam o Álbum Branco), o motivo não tenha sido um confronto entre John e Paul. 
Harrison não se sentia bem e, como sempre, preferiu isolar-se e fazer o que considerava mais adequado. Chegou a sua casa e, naquela mesma tarde, compôs Wah Wah, outra das canções que expressa o seu desconforto, uma outra música autobiográfica que era uma das suas especialidades.
Alguns dias depois, voltou com Billy Preston (que já havia juntado a Eric Clapton para o solo de guitarra de While My Guitar....). 
A incorporação de Billy acalmou o ambiente que se vivia nas sessões de gravação. A gravação de Something teve que esperar para ser gravado depois das sessões que deram origem a Abbey Road. 
Com os anos, foi uma dos temas mais tocadas na história da música. A única dos Beatles, que a supera é Yesterday.
Frank Sinatra disse que era a melhor canção de amor escrita nos últimos cinquenta anos.

Lennon na célebre canção God escreveu que "não acreditava nos Beatles". E também proclamou que "o sonho acabou". Mas quem levou isso para a prática, que entendeu, primeiro foi George. Sabia que não devia ficar acorrentado a essa fama, a essa loucura, e nem sequer aos seus três amigos. Soube que havia vida depois dos Beatles.Sem ressentimentos, porque, ao fim e ao cabo, tinha sido uma época maravilhosa e que não tinha saído muito bem, tinha sua justificativa. Assim explicou: 

"Éramos quatro pessoas relativamente saudáveis no meio de uma loucura extrema".
Esse desprezo interno que era votado ás suas canções teve, em pouco tempo, um efeito benéfico. O mundo estava convencido de que a magia era propriedade exclusiva de Lennon e McCartney - como não estar?- mas o talento de George, como guitarrista, para a maioria, nem sequer era discutível. Assim ele decidiu mostrar ao mundo do que era capaz. 


Além disso, como muitas de suas canções não foram considerados pelo grupo, para o seu disco solo post separação veio com um arsenal de temas extraordinários integrado por composições que os seus companheiros ignoraram.
Assim, o álbum triplo All Things Must Past não foi somente o primeiro disco de um ex-Beatle a chegar ao topo do ranking, mas é também a primeira obra-prima que surge da dissolução. 

Um pequena e pouco inocente pergunta: 
Quantas obras-primas produzidas individualmente após a separação? 
O triplo de Harrison, Plastic Ono Band, de Lennon e, possivelmente, Band on the Run são os que podem integrar a lista, sem muitas hesitações.

No ano seguinte, George Harrison levou a cabo o primeiro concerto beneficente da história.
Duas apresentações no Madison Square Garden superlotado em que se apresentou ao lado de Bob Dylan ( nos palcos, depois de vários anos), Billy Preston, Leon Russel, Ravi Shankar, Eric Clapton, Ringo.
Dylan foi outro dos benefícios que George obteve após o divórcio Beatle, talvez tenha sido a posse mais preciosa, que ihe tocou na divisão de bens. 
O Concerto de Bangladesh foi revolucionário por vários motivos. Era a primeira oportunidade em que um astro do rock que se dedicava de forma tão activa a uma causa filantrópica e inaugurou uma nova forma de pensar.

O rock até esse momento era a revolução, o protesto, o não respeitar as regras. Não havia espaço para se dedicar a causas humanitárias. 
George não só se importou mas não quis ficar apenas pelo gesto e com a cobrança generosa para a sua causa nobre. Procurou produzir uma grande mais valia artística. E ele conseguiu. Ai está o disco e as filmagens para provar isso. 
Ao contrário do que acontece neste tipo de eventos em que somente a acumulação de celebridades importa, George procurou que houvesse uma unidade estilística e um conceito. Assim, a mão-de Phil Spector, recriado no palco do Madison a famosa parede de som do produtor com dois bateristas e quase uma dezena de músicos. 


O disco a solo que se seguiu manteve o mesmo alto nível. Living in the Material World. Mas, depois, a sequência, mostrou o nível dos álbuns a perder qualidade. Em 1974, foi o primeiro Beatle a fazer uma tournê, depois da última do grupo com as suas traumáticas acções de 1966 repletas de loucura, histeria e gritos.

O álcool e a cocaína tinham feito estragos na sua voz circulam na web gravações daqueles shows em que se pode verificar isso mesmo. Uma voz áspera, carente de harmonia, cansada, como se suas cordas vocais tivessem sido substituídas por uma serra eléctrica. A sua vida pessoal completamente desmoronada. Destruída. As críticas foram lapidares e George já não voltou a sair em tournê. Apenas fiz um breve tour no início dos anos 90 pelo Japão, na companhia de Eric Clapton que deu origem a um bom disco duplo.

Em Setembro de 74, sua esposa Patty Boyd trocou-o por Eric Clapton, que já tinha escrito para a esposa de seu amigo, aquele hino que é Layla. 
Paradoxalmente, Clapton e george Harrison, gravaram juntos uma versão de Bye Bye love.

Apesar do engano (que George tratou de remediar dormindo com todas as mulheres que com ele se cruzassem, entre elas Maureen, a esposa de Ringo) a amizade entre Eric e George não foi beliscada. Harrison não só foi convidado para o casamento de Clapton com Patty, mas tendo Ringo como baterista tocou para os noivos. Quando lhe perguntaram qual era o seu estado de spirito, George disse: "Prefiro que Patty esteja com um amigo, do que com alguém que não conheço".


Seu primeiro contacto com a Índia deu-se na metade dos anos 60. Com o seu entusiasmo arrastou os três restantes beatles para lá. Em seguida, aconteceu o episódio do Maharishi e o desencanto de Lennon e companhia. Mas George ficou ligado com a cultura hindu e sobretudo com a sua música. Estudou com Ravi Shankar e introduziu a sítar na música ocidental moderna.

Esse movimento fez com que os Beatles incorporassem instrumentos incomuns enas suas gravações e gravassem vários temas, com influências e melodias da Índia. 
Deles, talvez o melhor seja Within You Without You, que foi incluído no Sargeant Pepper, um tema extraordinário que muito tempo depois foi elogiado por John Lennon, mas as gravações só contaram com a presença de George, sem que nenhum dos outros três participassem.

O primeiro álbum solo de George, primeiro disco solo lançado por um Beatle, foi a banda sonora de um filme chamado Wonderwall. George aceitou a tarefa de compor a banda sonora do filme, pois era um veículo para dar a conhecer a música indiana e a obra de seu amigo e mestre Ravi Shankar.

Esta ligação com a Índia, intensificou a sua busca espiritual. Meditação, yoga, filosofia oriental, hare krishna. A questão se filtrava na sua música. Em My Sweet Lord, seu primeiro grande sucesso solo, os Hare Krishna e o aleluia se repetem e amontoam nos coros. 


Antes de continuar, vamos fazer uma pausa em My Sweet Lord: um super sucesso que teve outro escasso privilégio, foi o primeiro a perder um processo por plágio ("Plágio involuntário", disse o juiz) por seu inegável semelhança com He's So Fine das Chiffons.

Harrison conseguiu muitos anos antes de o movimento aparecer, conceptualizara, a síntese entre o rock e a música de outras latitudes. Essa pesquisa inovadora, essa fusão antecipou a world music. 

A sua vida espiritual, não incluiu sermões nem proselitismo, ou tentativas de pregar em cada ocasião pública que se lhe apresentava. Por sua vez, convivia com todos os prazeres terrenos. Uma grande colecção de carros, a mansão de 120 quartos, as drogas e as mulheres.

Enquanto editava discos que não tiveram a repercussão de outras épocas. também teve tempo para se dedicar à produção de cinema. Foi ele quem financiou, A Vida de Brian, a iconoclasta obra-prima dos Monthy Python. 
Eric Idle, integrante do grupo cómico e amigo de George, explicou: 
"George financiou-o porque queria ver o filme". 
Possivelmente, a entrada de cinema mais cara da história.

Em meados da década de 80, sua carreira teve um novo renascer com Cloud Nine, um grande disco pop, com produção de Jeff Lyne. 
Em When We Was Fab recordava, com carinho, os seus anos de Beatle. O cover de uma canção esquecida americana, Got My Mind Set On You, foi um grande hit cheio de guitarras alegres.



O passo seguinte foi o de juntar os Travelling Wilburys. 
Sempre que vários músicos com um certo nome e posição se reúnem numa banda denomina-se logo de supergrupo. 
Mas essa denominação, depois dos Travelling Wilburys: George Harrison, Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty e Jeff Lyne, tem que ser selada, atribuída unicamente a este grupo. A verdadeira seleção. O legítimo super-grupo.

Na véspera da mudança de século, de 30 de Dezembro de 1999, um de seus piores pesadelos. Após o assassinato de John Lennon mostrou-se, não sem razão, muito preocupado com a sua segurança. Nesse penúltimo dia do século passado, um intruso com doenças mentais entrou na sua mansão e o apunhalou-o várias vezes. O seu Mark David Chapman, particular. Sua esposa Olivia dominou o atacante. George ficou gravemente ferido e passou vários dias no hospital. 

"Os Beatles existem para além de mim. Não sou o Beatle George. O Beatle é um fato, ou um traje, que uso de vez em quando. Mas até o fim da minha vida, as pessoas vão olhar para essas roupa e vão confundi-las comigo", disse.

Todos nós temos o nosso Beatle favorito. 
Não necessariamente deve ser uma decisão explicada, pode ser guiada por sentimentos e não por sólidas razões intelectuais. 
É um assunto do coração. 
Os que escolhemos George sabemos, pou melhor, estamos convencidos, de que a nossa decisão tem sólidos fundamentos racionais. É o nosso Super-Beatle. A sua liberdade, as suas músicas, o seu low profile, a sua busca e o seu sorriso despreocupado são os nossos aliados inexpugnáveis.

George Harrison morreu vítima de câncer, em 29 de Novembro de 2001.

(Matias Bauso/Pedro Bandeira).

Sem comentários: