sexta-feira, 3 de julho de 2009

Michael Jackson, o artista que vale mais morto que vivo


Foi há menos de uma semana que Michael Jackson, o auto-proclamado “Rei da Pop“, morreu. Mas há quem diga que o artista já tinha morrido há muitos anos atrás. Na verdade, os trágicos acontecimentos do dia 26 de Junho foram apenas o culminar de um lento processo de auto-degradação física e psicológica. Quem acabou por lucrar de uma forma cruel e cínica com o falecimento de Michael Jackson foi a sua antiga editora, a Sony Music, que certamente já não esperava que o artista voltasse a ser a galinha de ovos de ouro que nos idos anos 80 ele foi. O que não é de estranhar, tendo em conta que no star system…

A morte vende sempre mais do que a decadência

Não foi preciso passar nem um dia para que as vendas de álbuns antigos de Michael Jackson subissem por aí acima. Em Portugal, a colectânea de melhores êxitos The Collection subiu automaticamente para o terceiro lugar do Top oficial da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP). Lá por fora, nove dos 10 discos que constam do Top Pop Catalog Albums da Billboard pertencem a Michael Jackson ou aos Jackson 5. Este Top consiste num ranking dos 50 discos mais vendidos que foram editados há mais de 18 meses. Para além disso, o artista conseguiu a façanha de ocupar 25 posições dentro de 75 possíveis da tabela Hot Digital Songs da Bllboard referente aos singles digitais mais vendidos.Sem contar com a onda avassaladora de notícias sobre o passado sombrio, as ocorrências da morte, a autópsia e as homenagens póstumas que inundaram os media tradicionais ao longo dos últimos dias, esse crescimento súbito das vendas foi também certamente influenciado pelo aumento de airplay das músicas de Jackson nos EUA. De acordo com dados da Nielsen BDS revelados à Billboard, na semana passada os seus temas foram para o ar 67.383 vezes, o que representou um crescimento de 1.735 por cento face à semana anterior.

Até os piratas não se fizeram rogados e desataram a descarregar tudo o que apanharam à mão relacionado com o “Rei da Pop“. Actualmente, o nome de Michael Jackson continua a ocupar a lista dos torrents mais descarregados na secção de música do MiniNova, com sete colectâneas de todos os seus temas nos dez primeiros lugares. No Pirate Bay, Jackson ocupa quatro dos dez primeiros lugares. O mesmo se passou no YouTube, com os vídeos de “Rock With You”, “Thriller” e “Billie Jean” a atingirem números de visualizações estratosféricos.

É a Zombieconomia!


Por este andar, se os discos de Michael Jackson continuarem a vender como pãezinhos quentes a Sony Music acabará por ganhar dinheiro depois da morte do artista do que durante a vida dele. É a “Zombieconomia“, como Umair Haque lhe chama no seu blog na Harvard Business Publishing. Ao consultar um artigo do New York Times de 2006 segundo o qual Jackson teria recebido da Sony Music 300 milhões de dólares (212 milhões de euros) em royalties das vendas de discos desde o início dos anos 80, Haque fez as contas e colocou a questão:

Se a maior estrela Pop do mundo apenas ganhou 12 milhões de dólares (8,5 milhões de euros) ao ano com os seus discos, porque é que alguém haveria de querer fazer música séria? Para onde é que o resto do dinheiro foi? Mas é óbvio que foi para os bolsos das editoras discográficas! Será que elas utilizaram-no para lançar música com mais qualidade? Não – elas editaram Britney Spears e Lady GaGa. E foi assim que assinaram a sua sentença de morte: ao desinvestir na qualidade (…)
Contudo, os maiores gestores de fundos de investimento ganham regularmente centenas de milhões. Existe aí uma diferença de ordem de magnitude (…)
Isso é o grande problema por detrás da Zombieconomia. Nós não remuneramos as pessoas por criarem, desenvolverem, apoiarem e até mesmo remisturarem activos. Nós recompensamo-las por alocarem os mesmos activos de sempre. Isso não é uma economia: é apenas uma dança de cadeiras musicais.

Este conceito de Zombieconomia é bastante adequado nomeadamente para descrever se todo um sistema económico baseado no copyright que se alimenta apenas das glórias do passado porque é concebido para ganhar dinheiro à custa dos velhos êxitos e que não ajuda em nada à produção de mais obras criativas. Tanto mais se tivermos em conta os conflitos travados ao longo de anos entre Michael Jackson e a Sony Music – então Sony BMG.
Em 2000, quando Jackson estava a pensar recuperar a propriedade das fitas-mestras dos seus originais no intuito de se encarregar por si próprio da promoção dos seus álbuns antigos e relançar a sua carreira, o artista viu-se impossibilitado de fazer devido aos termos do contrato assinado com a Sony BMG. Com efeito, o contrato encontrava-se redigido de uma forma que o impossibilitava de recuperar a posse das suas gravações senão dentro de uns bons largos anos. O culpado: o advogado que negociou o contrato em seu nome que por infelicidade era também representante legal da Sony BMG.

Uma máquina de fazer dinheiro à custa do copyright chamada Beatles


Outra exemplo da Zombieconomia em funcionamento refere-se à Sony/ATV Music Publishing, uma joint-venture detida a meias entre Jackson e a Sony Music desde 1995 que para além de 750 mil composições escritas por artistas como Elvis Presley, Bob Dylan e Eminem, controla também os direitos de publishing das 267 composições dos Beatles escritas por John Lennon e Paul McCartney antes da separação dos Fab Four em 1971.
Desde então, a Sony/ATV tentou por diversas vezes – sem sucesso – adquirir essa verdadeira mina de ouro a Michael Jackson. No entanto, o cantor recusou-se sempre. Só em 2005 e já numa altura em que as suas finanças estavam bastante debilitadas é que Jackson deu finalmente o braço a torcer e aceitou uma proposta da Sony Music de vender o direito a adquirir metade – ou seja, 25 por cento – das suas acções na Sony/ATV sob a forma de opção.
No início do ano e à medida que a sua saúde se ia deteriorando, o artista deu a entender que pretendia reverter a parte que ainda controlava relativa aos direitos sobre as composições dos Beatles a Paul McCartney ou aos representantes legais dos Beatles, de acordo com um fonte não identificada citada pelo jornal britânico The Daily Mirror.
Seja como for, parece quase certo que a Sony/ATV não tenciona desfazer-se dos direitos sobre o catálogo dos Beatles, estando a Sony mesmo disposta a fazer uso do seu direito de opção para adquirir metade da participação de Michael Jackson. Alguns analistas da indústria calculam que o valor do catálogo detido pela joint-venture ronda os mil milhões de dólares (700 milhões de euros), um montante 20 vezes superior aos 47,5 milhões de dólares (33,5 milhões de euros) desembolsados em leilão por Jackson no ano de 1985.
É claro que tal valorização desmesurada de músicas compostas há quase quatro décadas atrás não teria sido possível sem a existência de um direito de autor que actualmente se prolonga até aos 70 anos após a morte do autor. A indústria musical alega que tal protecção é necessária para assegurar o sustento dos herdeiros dos autores. Mas porque é que a sociedade tem que pagar por algo que não irá beneficiar em nada a criatividade e o progresso das artes e das ciências – algo que é, afinal de contas, o propósito inicial do direito de autor?

De que forma estaremos nós a fomentar a criação de mais obras primas como as dos Beatles?

Não estaremos mais uma vez perante um fenómeno de Zombieconomia?

by Miguel Caetano in remixtures
(foto de Oceania Rock segundo licença CC-BY-NC 2.0; foto de Caesar Sebastian segundo licença CC-BY-NC-SA 2.0; foto de dag segundo licença CC-BY-NC 2.0)

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