quarta-feira, 29 de julho de 2009

Noites tropicais - Nelson Motta...(Para ler na praia)

"Tim foi a Londres e se esbaldou. Fumou, cheirou, bebeu, viajou de ácido, ouviu música, brigou com a mulher — tudo muito — e voltou para o Brasil com 200 doses de LSD para distribuir aos amigos. Assim que chegou foi à [gravadora] Philips, que ele chamava de “Flips”, onde visitou diversos departamentos, começando pelos que considerava muito caretas, como contabilidade e jurídico, onde cumprimentava o titular e repetia o mesmo discurso, com voz pausada e amistosa:

“Isto aqui é um LSD, que vai abrir sua cabeça, melhorar a sua vida, fazer de você uma pessoa feliz. É muito simples: não tem contra-indicações, não provoca dependência e só faz bem. Toma-se assim.”

Jogava um ácido na boca e deixava um outro na mesa do funcionário atônito. Como era um dos maiores vendedores de discos da companhia, todo mundo achou graça.[...] E Tim voltou para casa viajandão, dirigindo seu jipe e certo de que tinha salvado a alma da “Flips”.

Esta é uma das histórias saborosas que recheiam o livro Noites Tropicais - Solos, Improvisos e Memórias Musicais, de Nelson Motta (no Brasil, Editora Objetiva, 2000, 453 páginas). Numa dosagem admiravelmente bem feita, caminham lado a lado lembranças de artistas com quem o autor conviveu e a sua própria vida, com destaque para a música, de 1957 (ano em que se encantou com a Bossa Nova, ele que até ali em música só gostava da banda sonora carnavalesca das chanchadas da Atlântida) a 1992 (quando, não aguentando mais o governo Collor e a música sertaneja, mudou-se para os Estados Unidos). Ao mesmo tempo em que retira da sua memória histórias curiosas e detalhes reveladores, traça um quadro do que foi importante na época, da Bossa Nova, Jovem Guarda, Tropicalismo à MPB e do rock. Embora se revele um violonista apenas razoável (foi um suplício, afirma, quando seu conjunto Seis em Ponto foi chamado para gravar um LP), Nelson esteve sempre ligado à música, compondo, produzindo discos, criticando lançamentos na imprensa e até foi juri no programa Flávio Cavalcanti, coisa que os seus amigos mais avançados intelectual e musicalmente não perdoavam. Nelson pode ser definido como um eclético coerente - navega entre muitos estilos, mas não nega as suas antigas preferências. A Globo enviou-o à Itália em 1983 para cobrir um festival de música baiana em Roma (que gerou o filme Bahia de Todos os Sambas, de Paulo César Saraceni) - uma escolha natural, considerando o passado bossa-novista e emepebista de Nelson -, e de lá ele só voltou ao Brasil em 1985, para apresentar o Rock in Rio - uma escolha natural, considerando o passado roqueiro e de disco-music de Nelson, criador das Frenéticas e parceiro dos primeiros sucessos de Lulu Santos.

O livro é claramente de memórias. Nelson não se propõe a fazer um tratado sobre esse período, mas sim, contar o que viveu e (ou)viu. Admite que recorreu a alguns livros para ordenar tudo o que se lembrou, tendo conseguido fazer com pouquíssimos deslizes um relato rigorosamente cronológico, sem que isso fique incomodando a leitura. Se o leitor quiser informações do festival de 1968 conseguirá encontrar neste livro, sem muita dificuldade.

A não perder. Aconselho a leitura deste óptimo livro, nestas ferias de verão.Divirtam-se.

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