sexta-feira, 29 de julho de 2011

The Flamin’ Groovies - Teenage Head

Não resisti à tentação de escrever algo sobre um de meus discos preferidos, lançado por uma das minhas bandas favoritas, no início dos anos setenta. Estou a falar, ou melhor, a escrever, sobre o álbum Teenage Head, dos Flamin’ Groovies. Lançado em 1971 – o mesmo ano em que eu nasci – Teenage Head, é um dos meus álbuns de cabeceira desde o mês passado. Isso mesmo, até alguns dias, eu nunca tinha ouvido os Flamin’ Groovies. Fico a perguntar-me como pude sobreviver por 39 anos sem ter este disco e os demais da banda na minha colecção.

Exagero da minha parte? Lógico que sim, mas nós, os coleccionadores de discos e amantes da boa música, somos assim mesmo, exagerados, compulsivos e passionais. O que me fascina em manter esta paixão é justamente quando acontece algo assim: o sujeito passa trinta anos de sua vida coleccionando discos, vive cercado por milhares de álbuns dos mais diversos artistas, dos mais renomeados aos mais obscuros, e um dia chega um amigo, e trás para ouvir um disco que não conhecemos, de uma banda a qual nunca ouvi-mos nada, e mediatamente após a primeira audição sabemos que não poderemos mais viver sem esse disco, que a vida não faria mais sentido.

E não estou a falar de uma daquelas incontáveis bandas de hard rock dos anos setenta que lançaram apenas um ou dois discos e desapareceram rumo ao eterno ostracismo, mas de uma banda que lançou uma discografia considerável numa existência de relativa longevidade. Saber que essa paixão é infinita é exactamente o combustível que a alimenta, que a faz perdurar, transformando uma febre da adolescência numa paixão duradoura que nos acompanhará por toda a vida, já que o sujeito, agora um individuo de meia idade beirando os quarenta, pode continuar a ter o prazer de descobrir coisas “novas” (embora também com quase quarenta anos) pelo resto da vida.

A colecção nunca estará completa, jamais terá fim. Nunca conheceremos tudo. Se fosse diferente, que graça teria?

Não é que eu nunca tenha ouvido falar nos Flamin’ Groovies. Lembro-me de já ter esbarrado na capa de Supersnazz, o primeiro disco do grupo, em alguma loja de discos durante essas andanças. Também recordo de ler um verbete sobre o Teenage Head no livro 1001 Albuns You Must Hear Before You Die (1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer), mas ouvir a banda, nunca. Confesso que até então a minha curiosidade por eles não tinha sido despertada.

Tudo mudou há alguns dias, quando fui apresentado aos Flamin’ Groovies. Desde então tenho ouvido seus álbuns exaustivamente, decorando cada detalhe, como um Marcel Proust em busca do tempo perdido. Talvez em minha euforia, eu esteja sendo precipitado em já estar dedicando um texto a eles, afinal ainda não somos íntimos, faz poucos dias que nos conhecemos, mas é irresistível, pois desde o tardio primeiro momento, soube que me acompanharão pelo resto dos dias que ainda viverei.

É mais uma banda que envelhecerei ouvindo, e que ainda servirá de trilha sonora para muitos acontecimentos que ainda me estão por vir.

The Flamin’ Groovies é uma banda californiana de San Francisco, formada por volta de 1965 por Ron Greco, Cyril Jordan e Roy Loney.

Somente em 1969 lançaram o seu primeiro álbum, Supersnazz, já sem Greco. Na formação estavam Cyril Jordan (vocal e guitarra); Roy Loney (vocal e guitarra); George Alexander (baixo, harmônica e vocal); Tim Lynch (guitarra, harmônica e vocal) e Danny Mihm (bateria). Embora também assíduos no Winterland e no Fillmore de Bill Graham, os Flamin’ Groovies não lembram em nada a sonoridade de seus vizinhos Grateful Dead, Jefferson Airplane e Moby Grape, que dominavam a preferência dos hippies da ensolarada baía de San Francisco. O som dos Flamin’ Groovies era mais cru e distorcido, “garagista”, como se jogassem os Rolling Stones, Chuck Berry, Trashmen, Kingsmen, blues e rockabilly num misturador.

Em 1970 lançam o segundo disco, Flamingo, um fantástico álbum de garage rock, onde a crueza da produção se encaixa brilhantemente nas bem elaboradas harmonias do grupo, com destaque para Heading For The Texas Border, um “rockão” de primeira – que hoje em dia é executada ao vivo nos shows da banda Raconteurs, de Jack White. Há ainda uma cover de Keep a Knockin’ de Little Richard. Não vou me estender falando sobre Flamingo, já que optei em dissecar o próximo álbum, Teenage Head, mas não saberia dizer qual dos dois é melhor, haja vista que ambos são essenciais. Optei por Teenage Head por razões emotivas, já que foi o primeiro álbum da banda que ouvi e que me tornou de imediato um eterno fã do conjunto.

Lançado na mesma época em que os Rolling Stones lançavam Sticky Fingers, o terceiro álbum dos Flamin’ Groovies, Teenage Head, logo despertou comentários na imprensa sobre algumas similaridades entre os dois álbuns – o que eu vejo como um exagero, pois não identifiquei nada gritante que justifique o facto.

Mick Jagger numa entrevista na época teceu comentários elogiosos sobre o disco dos Flamin’ Groovies, dizendo que eles fizeram óptimos blues e rocks de raiz, revisitando-os num contexto actual e moderno.

O petardo inicia com High Flyin’ Baby, com riffs e arranjos que me remetem ao óptimo álbum Safe as Milk de Captain Beefheart and his Magic Band (1967). A segunda faixa, City Lights, é uma balada country onde se destaca o som do dobro, lembrando um pouco Gram Parsons e algumas faixas do álbum Beggar’s Banquet dos Rolling Stones (1968), como Dear Doctor e Prodigal Son, precedendo o rock Have You Seen My Baby?, que define bem a sonoridade agressiva do grupo. O lado A encerra com Yesterday’s Numbers, que também lembra os Rolling Stones, sendo que a introdução faz referência a música Get Off Of My Cloud.

O lado B começa com a faixa-título. Teenage Head e lembra-me um pouco The Troggs, uma banda que sempre admirei. O disco prossegue com 32-20, um blues de Robert Johnson que recebe um belo arranjo roqueiro, onde as guitarras são substituídas por dobros.

Evil Hearted Ada é totalmente rockabilly anos cinqüenta e bem poderia fazer parte de algum dos primeiros discos de Elvis Presley, Gene Vincent ou Eddie Cochran. Doctor Boogie é um grande rock-blues onde as harmônicas comandam a harmonia e a melodia com primor.

O disco encerra com Whiskey Woman, que começa com uma bela introdução no violão e aos poucos se transforma em mais um grande rock. Agora deixamos o vinil descansar e passamos para o CD para ouvir as bonus tracks.

Nas faixas bônus predominam covers de clássicos do rock, como Shakin’ All Over (Johnny Kidd and The Pirates); That’ll Be the Day (Buddy Holly); Louie Louie (Richard Berry); Walkin’ The Dog (Rufus Thomas); Scratch My Back (Slim Harpo) e Carol (Chuck Berry). Completa o CD o outtake Going Out Theme. Falando em covers, durante a sua carreira os Flamin’ Groovies fizeram diversas regravações, como Let It Rock; Almost Grown e Sweet Little Rock’n’Roller (Chuck Berry); Hey Hey Hey Hey (Little Richard); I’m a Man (Bo Diddley); Baby Please Don’t Go (Big Joe Williams); Slow Down (Larry Williams); Miss Amanda Jones e Blue Turns To Grey (Rolling Stones); I Can’t Explain (The Who); Something Else (Eddie Cochran); There’s a Place; Please Please Me e From Me To You (Beatles) e Flyin’ Saucers Rock’n’Roll (Billy Lee Riley).

Poucos meses depois do lançamento de Teenage Head, Roy Loney abandonou a banda e foi substituído por Chris Wilson, que ao lado de Cyril Jordan, iniciou uma mudança gradual na sonoridade dos Flamin’ Groovies, tornando-os mais pop sem perder a veia roqueira que sempre caracterizou o grupo. Após a entrada de Chris Wilson, a banda mudou-se para Inglaterra.

Continuaram lançando bons discos até 1979, ano da dissolução da banda. os anos oitenta, Cyril Jordan e George Alexander retomaram as atividades dos Flamin’ Groovies com novos integrantes, voltando a se separar em 1992.

Os Flamin’ Groovies voltaram a reunir-se para uma apresentação no Azkena Festival em Mendizabala, em Espanha, em 11 de Setembro de 2004.

Em 2005, Cyril Jordan formou uma nova banda, The Magic Christian – mesmo nome de um ótimo filme de humor negro de 1969 estrelado por Peter Sellers e Ringo Starr. Roy Loney e o ex-baterista dos Flamin’ Groovies, Danny Mihm, formaram a banda The Phantom Movers, além de participarem de gravações com a banda Young Fresh Fellows. Em 2008, Roy Loney e Cyril Jordan se reuniram para uma pequena turnê, com músicos das bandas The A-Bones e Yo La Tengo como banda de apoio.

Continuo a perguntar-me por é que eu nunca tinha ouvido os Flamin’ Groovies antes, mas como diz o provérbio: “Mais vale tarde, do que nunca”.

Fonte: Arménios - Por: Maurício Rigotto

Maurício Rigotto, o Morto, foi um dos primeiros kolunistas d’Os Armênios, em 2006. Um dos maiores coleccionadores de discos de Rock do norte gaúcho, o escritor e DJ é também um grande especialista em cinema e literatura. Foi integrante do power trio Aliás Comemos, o mais underground do sul do Brasil nos anos 1990.Hoje, mantém um blog pessoal, além da coluna “Todas as Notas” no caderno Blitz, do jornal Diário da Manhã. É também colaborador do site Collector´s Room.

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