Ziggy Stardust não se tornou um mito por acaso. A sua
influência extrapola o musical e atinge vários campos da expressão
humana: nas histórias em quadradinhos, há o Red Rocket 7 — o tributo quase exagerado de Mike Allred —; no cinema Rocky Horror Picture Show (1975), Velvet Goldmine (1998) e Café da Manhã em Plutão
(2005) são apenas as referências mais óbvias; na moda, até Kate Moss já
encarnou o alienígena na Vogue. De capas recriadas com Lego até selos
postais na Inglaterra, as referências são inúmeras: a criatura de David Bowie se tornou um mito da pop art.
E tudo isto por causa de um disco!
É no clássico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars que toda a história se origina. Em 1972, David Bowie lançou
esse que se tornou o álbum mais emblemático de toda sua carreira. O LP é
uma ópera-rock que conta a história de um alienígena que chega na Terra
para alertar a população sobre a destruição do planeta dentro de 5
anos. Entretanto, aqui ele descobre o sexo, as drogas, o rock’n'roll e
se transforma em um astro da música. Depois da ascensão, a queda: um
Ziggy Stardust que viveu todos os excessos comete suicídio. Esse
trabalho conceitual contou com uma capa especial, fotografada em preto e
branco, que ganhou cores lembrando as HQs de ficção científica da
década de 50.
Além do disco, entre 1972 e 1973 Bowie fez uma tournê por Inglaterra,
Estados Unidos e Japão. Nos shows, o "performer" caracterizava-se como o
próprio Ziggy em apresentações temáticas, cheias de recursos teatrais. O
artista soube explorar ao máximo aquilo que a obra podia
oferecer, lançando mais dois discos em 1973 com a mesma estética — Alladin Sane e Pin Ups —
retratando então um Stardust evoluído. Porém, de maneira muito
inteligente, David sempre soube inovar e transformar-se — daí o apelido
de “camaleão do rock” —, impedindo uma estagnação criativa. Assim,
partindo da ideia que Ziggy comete suicídio no final do disco, Bowie
anunciou que a trajectória do personagem chegava ao fim na última
apresentação daquela tour. O show derradeiro foi registado por D. A.
Pennebaker, pioneiro do “direct cinema” e um dos documentaristas mais
importantes da história do rock. Apesar do filme ter sido engavetado na
época, hoje está disponível em DVD remasterizado.
O disco foi um grande sucesso, assim como a sua tournê, consolidando
para sempre a carreira de David Bowie. Com uma qualidade musical ímpar,
transcendeu a barreira do tempo e afirmou-se como um clássico absoluto do
rock. Um caso raro de ópera-rock divertida e bem estruturada, sem ser aborrecida (discos como Tommy e The Wall são duplos e
muitas vezes ficam girando em torno de um mesmo eixo musical). O álbum
aparece muito bem posicionado em absolutamente todas as listas de “os
melhores discos de todos os tempos”. Tornou-se uma referência constante,
tendo músicas regravadas por incontáveis artistas, desde a banda de
pós-punk Bauhaus até as versões bossa-MPB de Seu Jorge, além do Nenhum
de Nós que transformou o hit Starman em Astronauta de Mármore.
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars tornou-se no documento definitivo do glam rock, um estilo que misturava a
sonoridade do hard rock e do proto-punk com melodias pop "colantes", em
composições dançantes e curtas, remetendo ao espírito dos primórdios do
rock, aliadas a performances teatrais e um visual extravagante. Apesar
de não ter "estourado" em todo o planeta, o glam foi um verdadeiro fenómeno de massa em Inglaterra, numa proporção de sucesso local,
semelhante á beatlemania! Além de Bowie, o T.Rex de Marc Bolan (que se
influenciavam-imitavam-plagiavam mutuamente) foram os maiores
representantes do género.
Assim como diversos outros estilos de rock no decorrer da história, o
glam também teve uma repercussão sócio-cultural de forte caráter
sexual. Entretanto, foi bem diferente daquela proposta pela pélvis de
Elvis, da libertação das adolescentes promovida pelos Beatles e Rolling
Stones ou mesmo o amor-livre dos hippies. Quando o alienígena Ziggy
Stardust chegou ao planeta Terra, instaurou uma era de androginia.
Limites de gênero — masculino, feminino — eram humanos demais e ele
estava além disso. Com o glam, o rock — que sempre rompeu com tabus e
derrubou preconceitos — usou batom, se encheu de purpurina e colocou
mais um muro abaixo. O estilo de vida que defendia a liberdade de que
cada um pode amar quem quiser agora declarava: posso amar até mesmo
alguém do meu próprio sexo.
Por Rodrigo de Andrade (Garras) - Arménios
Publicado originalmente no caderno Segundo, do jornal O Nacional, na edição de 2 e 3 de Junho de 2012.
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