terça-feira, 7 de julho de 2009

Vira o disco, e toca o mesmo vinil

Às quatro da manhã toca o despertador e Júlio Marques salta da cama sem hesitar. Corre para o computador, que tinha ficado ligado, e entra num site de leilões. O tempo está a acabar e Júlio sabe que é a melhor altura para a jogada final: ultrapassar o persistente japonês, que teima em querer ficar com aquela raridade. Mas engana-se quem pensa que estamos a falar de uma peça de arte antiga. Júlio Marques, de 35 anos, interrompe o sono para comprar discos de vinil no eBay.
"Chego a dar gargalhadas às 5 da manhã. São verdadeiras batalhas solitárias." Desta vez, conseguiu uma relíquia: o álbum "10 000 anos depois entre Vénus e Marte", de José Cid.
"Está entre os cem melhores álbuns de rock progressivo. Comprei-o por 50 euros e já me ofereceram 500. Mas não estou nisto pelo dinheiro."
Assim que entramos em casa de Júlio percebemos que o vinil é um vício. Na parede, entre a televisão e um armário, está colada a capa do álbum "Cantigas do Maio", de José Afonso.
"Se pudesse tinha a casa cheia. A minha mulher é que não gosta", confessa o administrativo.
Júlio Marques tem cerca de 5 mil vinis e criou um blogue (http://cultovinil.blogspot.com) para trocar impressões com outros aficionados.
"As capas são obras de arte, num CD é tudo pequeno, não dá para apreciar", explica. Mas é o som que marca a diferença.
"A pureza da música está no vinil. O som é mais quente e os estalidos tornam-no mais interessante."
Nos tempos do mp3, há cada vez mais pessoas que partilham a opinião de Júlio Marques. No ano passado, as vendas de discos de vinil cresceram 54 mil por cento. Sim. Não nos enganámos. E, segundo a Associação Fonográfica Portuguesa, os pedidos de discos de vinil, das lojas às editoras, passaram de quatro, em 2007, para 2174 no ano seguinte. Há cada vez mais bandas a editar os seus álbuns em vinil, como os AC/DC e os Xutos&Pontapés. Viriato Filipe, da cadeia de lojas FNAC, explica porquê:
"O vinil está a tornar-se um objecto de luxo. Há todo um ritual na relação que os amantes deste formato, apaixonados pela música, mas também coleccionadores, estabelecem com o objecto: manusear, contemplar o grafismo da capa, pôr o vinil no prato, ouvir os estalidos iniciais... Se no início era um mercado dos amantes de música de dança e restrito às bandas internacionais, agora o vinil democratizou-se." A tendência não é apenas portuguesa. A Nielsen SoundScan, que monitoriza as vendas de discos nos Estados Unidos e no Canadá, revelou que o formato LP vendeu mais em 2008 que em qualquer outro ano desde 1991, época em que começaram a controlar as vendas.
A editora Taschen já se apercebeu do novo culto. Depois de lançar o livro "Jazz Covers", uma selecção das melhores capas de discos de jazz, escolhidas pelo coleccionador português Joaquim Paulo, publicou "Extraordinay Records", em Junho. O livro, baseado na colecção de Alessandro Benedetti e Peter Bastine e organizado por Giorgio Moroder, reúne mais de 500 LP, de todas as formas e feitios. Há dourados, transparentes e até em forma de coração ou estrela.
Mas que tem o vinil de tão especial? Júlio Marques não tem dúvidas: o som é muito mais real que o do CD. É quase preciso ser um entendido em engenharia de som para perceber as diferenças que os fãs apontam. Aqui fica uma tentativa: num CD é colocada apenas uma amostragem digital, ou seja, selecciona--se uma amplitude compatível com o CD e o resto é cortado. No vinil cabe tudo o que a banda grava.
Dez anos separam Nuno Madeira e Júlio Marques. Um é da geração que cresceu a ouvir vinis, o outro é da cassete e do CD, mas o gosto pelo disco preto é o mesmo.
"A parte divertida é mexer no gira-discos e no vinil. Quando ouves discos tens de despender de algum tempo. Não dá para saltar de música tão facilmente como no CD, e tudo isso faz com que oiças o álbum todo e aprecies melhor a música", explica Nuno Madeira. Mas o vinil também requer mais cuidado que os CD, como o operador de câmara aprendeu.
"Estava com os copos e cheguei a casa com vontade de ouvir música. O entusiasmo era tanto que ao pôr a agulha no disco risquei-o. Agora está lá aquele clac."
Nuno começou a comprar vinis há dois anos e todas as semanas visita lojas para aumentar a colecção de 70 LP. Até montou sozinho o gira-discos.
Mas há quem faça mais e se dê ao trabalho de passar discos para mp3. Sérgio Gonçalves sai de casa a correr para ir trabalhar e agarra no iPod que está à entrada. A caminho da Central Musical - empresa de multimedia que transmite concertos na internet - ouve de tudo. Mas quem puser os auriculares do seu iPod nos ouvidos é capaz de reclamar: é que os estalidos dos vinis podem ser confundidos com defeito técnico.
Sérgio Gonçalves, de 34 anos, pode passar oito horas numa loja à procura de raridades como o álbum de Khaliq Al-Rouf, que custou 140 euros. Fica com os dedos sujos, passa fome e chega a sair apressado à procura de uma casa de banho para depois voltar à caça.
"Gosto do som quente do vinil e do facto de não ser perfeitinho como o CD. Deixei de ser um purista do som. Ter um crac dá personalidade ao disco."
Nem sempre foi assim.
"Quando surgiu o CD, achei que era a maior maravilha do mundo. O vinil irritava-me." O regresso ao disco presto aconteceu em 1999, quando trabalhava na EMI e começaram a surgir os promocionais em 12 polegadas para os DJ:
"Decidi ser DJ, mais como hobby, e comecei a trazer vinis para casa." Nunca mais parou: hoje tem 4 mil vinis, organizados alfabeticamente numa sala. É lá que passa as tardes de domingo, a ouvir música.
Também foi assim que Bruno Santos, de 23 anos, estudante de Design, entrou no mundo do vinil. O DJ Cleymoore, como se baptizou, prefere música electrónica e experimental e confessa que entrou nos discos porque há muitas editoras e produtoras que só editam em vinil. Bruno recorda até uma edição especial de Donna Summer que só existe em vinil:
"O single 'Love to love you baby' numa versão de 16 minutos é óptimo." O estudante reconhece que a moda do vinil tem tornado o acesso aos discos mais difícil.
"Para a minha geração, a do CD, o vinil passou ao lado, mas agora estamos a redescobri-lo. Apesar de ser muito mais caro que um CD normal, vale a pena."

por Vanda Marques,no I

1 comentário:

Culto do Vinil disse...

Olá apenas para informar que essa foto pertence á reportagem mas induz em erro pois não sou eu (Júlio Marques), que apenas saiu no jornal, de qualquer maneira um obrigado pela divulgação.

Um abraço
Júlio Marques

http://cultovinil.blogspot.com