segunda-feira, 10 de outubro de 2011

John Lennon - Double Fantasy

1980 marcou um importante fim e ainda mais importante começo para John Lennon.

John estava cansado, de viver doente e exausto. Fazendo das suas fraquezas, forças, reuniu os últimos restos da sua determinação, para começar o processo de desintoxicação, desta feita,a frio. Sem ajuda de metadona, de morfina, de rituais xamânicos, sem recaídas, sem voltar atrás. Aos 39 anos, o seu corpo parecia o de um mendigo nova-iorquino desnutrido, magro, com os ossos á flôr da pele, barba e cabelos esparsos e mal cuidados. Nos últimos cinco anos Lennon tinha desenvolvido uma enorme aversão por si mesmo. Sabia que tinha chegado ao fundo do poço, numa crise de identidade que durou cerca de cinco anos. O autoproclamado "marido e dono de casa" estava a sofrer o mal-estar do isolamento e do tédio, sintomas idênticos aos das donas de casa suburbanas.

O que aconteceu a John foi a mesma coisa que aconteceu a Eivis Prestey, Howard Hughes e muitos outros ricos reclusos e autoíndulgentes: Lennon tinha se recusado, simplesmente, a pagar o preço para permanecer vivo, em termos de envolvimento, responsabilidade e esforço.

Tendo encontrando em Yoko Ono alguém disposto a poupar-lhe o fardo da existência, John tinha se afastado da realidade, dos seus negócios. Yoko, ou "Mamãe", como ele a chamava, aconselhou-o a não se preocupar mais em compôr novas músicas. O édito estava em vigor havia mais de cinco anos, e agora, os frutos do seu trabalho estavam a apodrecer. Não interessava quão inquieto ele se tornara, Yoko, continuava advertíndo-o de que se tentasse cortejar as musas iria sofrer um fracasso humilhante. Esse longo silêncio estava prestes a acabar.

Quando John e Yoko voltaram da sua terceira viagem anual ao Japão, fizeram o pacto de se livrarem do vício da heroína. John, ao prometer atingir essa meta, procurou ajuda nas técnicas de isolamento meditativo. Usou um tanque de privação sensorial: uma grande caixa negra no formato de um caixão cheia de uma solução salina morna. Imerso, flutuando nesse ambiente durante meia hora, sem som e na escuridão total, experimentava uma sensação parecida com aquela que experimentava, quando estava drogado. Isolado no seu quarto durante dias a fio, concentrou-se nas suas questões favoritas, relacionadas com o misticismo e as civilizações antigas. Como literatura inspiradora, releu os relatos das aventuras do Kon Tiki, de Thor Heyerdal e do famoso navegador sir Francis Chichester. Tocado por essas fábulas de autoconfiança e suficiência, encontrou a coragem para começar a confrontar seus demónios.

Estava pronto para voltar à superficie.

Yoko evitou confrontar a sua dependência de heroína e permaneceu uma junkie "funcional". Administrando a fortuna de 150 milhões de dólares do casal, havia investido no mercado imobiliário e comprado mansões na costa de Palm Beach, na Flórida, e em Long Island. John era dono de dois haras - fazendas para criação de cavalos - no rio Potomac e de uma fazenda em Catskills onde nunca poria os pés, além de uma outra fazenda de gado leiteiro no estado de Nova York avaliada em vários milhões de dólares.

A sua propriedade favorita, escolhida por Yoko, era a casa em Cold Spring Harbor, em Nova York, chamada de Cannon Hill. Foi nessa mansão de 14 quartos, de frente para o mar, que ele se isolou no início da primavera. A proximidade com o mar, inspirava-o, levando-o a fantasiar sobre viagens, o que originou, que e ele mandasse o seu assistente Fred Seaman comprar um barco a motor para que pudesse navegar pela baía.

John ganhou confiança e destreza na pequena embarcação. Encontrando nova satisfação em estar na água. Comprou também um pequeno veleiro, o Isis. Ele e Fred aprenderam a manobrá-lo, tendo frequentado aulas de navegação, com Tyier Coneys, um marinheiro já veterano. Começou a formular planos para fazer "a coisa certa", comfessando a Fred como gostaria de velejar pelo Atlântico até ao Tâmisa em Londres em vez de ir de limusine para o aeroporto de Heathrow. A ideia de velejar de retorno a Inglaterra, transformou-se num obsessão.
Yoko aconselhou-o a que não fosse para Inglaterra, mas para o sudeste, até ás Bermudas. Em 4 de Junho de 1980, John embarcou num pequeno avião com o seu instrutor de vela Tyler Coneys e voou para Newport Rhode Island para embarcar num veleiro alugado, uma escuna de 13 metros, a Megan Jayne, capitaneada por Hank Beard. Outros dois primos de Tyler Coneys completavam o restante da tripulação. Seguindo para o mar aberto, sozinho no meio de estranhos, John estava a assumir o tipo de risco que passara toda a vida a tentar evitar.

Ao mesmo tempo, realizava urna de suas fantasias infantis mais queridas: ir para o mar, como o seu pai e o seu avô. Com pouco conhecimento de navegação, John ocupou-se da cozinha do navio. A purificação emocional de uma nova aventura era um bálsamo para a sua alma e a adrenalina fresca corria pelas suas veias, provocando um novo e inesperado humor.

Inevitavelmente, tiveram que atravessar o Triângulo das Bermudas, aonde foram fustigados por uma forte tempestade, Um a um, os membros da tripulação ficaram enjoados e incapacitados. Na condição de único tripulante a não vomitar, o capitão ordenou a John que assumisse o leme, num turno de quatro horas. Lutando para man­ter o rumo, amarrado com uma corda, ao leme, enquanto o barco se inclinava e balançava, mergulhando em ondas de mais de seis metros, ficou paralisado com a aterradora visão do mar . A água que se abatia sobre convés era incomensurável, em peso e quantidade. John, estava sozinho no leme, batendo de frente contra uma parede de água, que parecia não ter fim.

Mas o barco manteve-se na sua rota, e depois dos primeiros quinze minutos de puro terror, John sentiu a sua coragem, a voltar. Era como estar em palco. Primeiro. entra-se em pânico e fica-se aterrorizado, mas depois começa-se a fazer o que se sabe, e esquecem-se todos os medos, começando a ter-se prazer com o que se está a fazer. Enquanto o mar crescia diante dele, Lennon gritava, cantava canções de marinheiros que ouvira na voz do pai em Liverpool. Tinha vencido a sua tempestade perfeita e, conseguira chegar ao seu destino, com a bazófia, e a prozápia de um marinheiro, que se preparava para reclamar os eu prémio. Descansar ao sol tropical de Hamilton Terrace, nas Bermudas.

Fred Seaman ficou emocionado ao abraçar John, na sua chegada á ilha caribenha. Depois de mais de um ano vendo o seu herói, a ser consumido por uma doença devastadora, testemunhava agora o renascimento do verdadeiro, amigo, o velho e bom John Lennon.

Fred, que tinha sido instruído para encontrar um refúgio criativo, aonde John pudesse viver e trabalhar, descobriu Fairylands Undercliff, uma vivenda à beira-mar, isolada num trecho estreito de terra. Durante o entardecer John fumava no pátio enquanto ouvia o álbum “Burnin” de Bob Marley. Depois de tocar Hallelujah Time sem parar durante meia hora, explicou a Fred que finalmente tinha entendido o motivo de ter ficado tão obcecado com a canção durante esse tempo: era a frase sobre "não ter muito tempo para viver".

Era exactamente como se sentia. Imediatamente, começou a improvisar sobre a frase do álbum de Marley. Fred ligou o gravador enquanto John tocava a sua versão pirata da música que se chamaria Living on Borrowed Time. Satisfeito, acendeu uma "ganza" e começou a descrever para Fred, de maneira arrebatada, a sua ideia de um grande álbum, A gravação seria repleta dos sons sensuais, importados da Jamaica.

Os planos de John acabaram na manhã seguinte, quando descreveu a sua visão a Yoko Ono pelo telefone. Zangad e controladora, ordenou-lhe que regressa-se de imediato a Nova York.

Sem o conhecimento de John, Yoko tinha decidido que a sua obsessão em controlar os negócios familiares tinha acabado, e anunciou á sua corte de bajuladores, que voltaria a produzir arte e "eventos" musicais. Afirmava que já tinha um monte de canções para gravar e estava determinada a transformá-las num álbum de sucesso. A experiência tinha lhe ensinado que um álbum solo dela, publicado ao mesmo tempo que um de John,S seria o fim da sua carreira. O dela ficaria nas prateleiras das lojas enquanto o de John evaporar-se-ia rapidamente.

A solução encontrada, foi o conceito de "the heart play". Um diálogo entre amantes, casados.

Encostado á parede com esta ideia, John assumiu de imediato, que se rejeitasse o conceito, rejeitaria o mito de John e Yoko. Se adoptasse a proposta, diria adeus à orientação que decidira adoptar, gravando um álbum com as inspirações caribenhas.

Depois de uma maratona de telefonemas e discussões iradas cara a cara, John foi persuadido a abandonar a ideia de um álbum de reggae com uma pitada de tango em favor de um outro no qual duas pessoas, empregando idiomas musicais discordantes, cantavam alternadamente, falando de coisas diferentes.

John continuou nas Bermudas durante cinco meses, compondo e trabalhando, incapaz de comunicar com Yoko, durante vários dias. Foi nesse periodo que escreveu a melhor peça do que viria a ser o álbum “Double Fantasy”: l'm Losing You.

Depois da temporada nos trópicos, voltou para Nova York planeando ir directo ao estúdio de gravação. Começou por agendar os ensaios e a juntar uma banda. Instruiu Jack Douglas, o seu produtor, a contratar novos músicos.

Depois de passar anos com os mesmos companheiros de palco, que frequentemente usavam drogas e bebidas durante as sessões, John tentava evitar o caminho sinuoso e festivo que caracterizava os seus rituais das gravações anteriores. Queria poder usar o chicote, tirando tudo o que quisesse dos músicos" sem ter que se preocupar em pisar no ego de "amigos". O objectivo de Lennon era fazer as coisas de forma simples e eficiente. Se ele tivesse que fazer mais do que cinco ou seis tentativas para cantar uma música, fazia-o e seguia para a próxima. Este estilo de gravação vigoroso e directo impressionou os músicos, muitos deles veteranos acostumados a passar dias á volta de uma única faixa.

Por mais genialidade e confiança que aparentasse, Lennon tinha graves receios após a semana inicial no estúdio. Achava que o seu material e voz estavam enferrujados e abaixo do seu padrão. Nesse momento de vulnerabilidade, Yoko revelou a sua exigência. Queria ter 50% das faixas do novo disco. Enfurecido, Lennon explodiu: "Se é isso o que queres, então não haverá álbum". Passou os dois dias seguintes fechado no seu quarto, comunicando com Yoko, apenas através de bilhetes, metidos por baixo da porta.

Jack Douglas tinha previsto o que se iria passar, semanas antes de John voltar. Num encontro pré-produção, Yoko entregara-lhe um monte de fitas com as músicas "dela" para o álbum. "Não diga nada ao John", instruiu. Gravar Yoko foi uma dor de cabeça para Douglas. Para que ele conseguisse uma nota decente em cada sílaba que ela cantava, obrigou Yoko a fazer takes intermináveis. E nunca ficou plenamente satisfeito com o resultado

Em duas semanas John gravou 22 faixas, material para dois álbuns. Voltou a assumir uma posição mais relaxada, permitindo a si mesmo sorver uns tragos, libertadores de uma garrafa de uísque escondida. O ex-vegetariano também descobriu os prazeres dos whoppers do Burger’s King e dos pedaços oleosos da pizza de Nova York. Quando Yoko finalmente ia para casa, deixando-o no estudio, John enviava alguém comprar cocaína, e todos ficavam felizes.

A maior parte da gravação e mixagem de Double Fantasy estava completa na festa de aniversário conjunta de Sean e John Lennon, celebrada em 13 de Outubro para coincidir com o lançamento, no dia seguinte, do primeiro single do álbum: “Starting Over”.

O single foi imediatamente, para o topo das 20 mais, da revista Billboard e o lado B, Kíss, Kiss, Kiss, de Yoko, foi bem recebido nas discotecas gays e clubes nocturnos da cidade.

Double Fantasy foi saudado como o maior evento da época no mundo da música. A manipulação experiente de Yoko, junto das revistas e outros órgãos de comunicação, rendeu páginas de publicidade gratuita. As agências de notícias, publicavam desenfreadamente, tudo o que se referia a John Lennon.

Sem olhar a despesas, Yoko, contratou um esquadrão de aviões, que desenharam com fumo de várias cores, uma mensagem de parabéns para John e Sean no céu, sobre o Central Park.

A bonança, antes da tempestade...

Fonte: Edú

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