sábado, 19 de setembro de 2009

George Harrison, rendido á mestria de Domingos Machado.


Domingos Machado tem uma regra: da sua colecção pessoal não sai um único instrumento.
"Se me pedirem, faço cópias", costuma dizer. Mas o artesão de 73 anos fez questão de abrir uma excepção a um cliente muito especial: George Harrison.
Desde o princípio dos anos 90 que a pacata freguesia de Tebosa, às portas de Braga, se habituou a receber a visita de alguns músicos famosos. À data, o que é hoje o Museu dos Cordofones não passava da modesta casa de um artesão, cuja arte atravessara várias gerações da família. Foi ali que decorreram os encontros discretos entre as estrelas internacionais e o artífice português.
"O nosso compromisso era nunca revelar a presença deles", recorda Domingos Machado. "Costumavam ficar na casa de um músico alemão, Oliver Serrano, que estava radicado no Alto Minho. Era meu amigo e foi ele que trouxe alguns dos meus mais ilustres clientes."
Há muito que a arte de Domingos ganhou fama e começou a atrair músicos de toda a Europa. Numa dessas visitas secretas, bateu-lhe à porta um dos mestres do folk britânico, Donovan, que estava em Portugal para um espectáculo. Mas não só: trazia uma encomenda de um cliente-mistério.
"George Harrison tinha ouvido uma das minhas guitarras e pedira ao Donovan para me visitar", recorda Domingos Machado.
A guitarra, hoje exposta num museu londrino dedicado ao músico, é conhecida como viola de fado ou viola francesa de luxo.
"É feita com material de primeira, tem embutidos em madrepérola, tampo em pinho-de-flandres, e a estrutura em pau-santo", orgulha-se o artesão, enquanto solta uns acordes para a fotografia. O negócio rendeu-lhe "320 contos" (1600 euros). Teve ainda direito a uma dedicatória de Donovan no livro de honra do museu:
"Estou encantado por entregar pessoalmente a guitarra de fado a George Harrison. E espero ansiosamente pela minha."
Anos mais tarde, o ex-Beatle fez outra encomenda: um cavaquinho. Desta vez, Domingos Machado não foi à sua colecção:
"Construí um de propósito." Oliver Serrano, o músico alemão que conhecera os Beatles em Hamburgo, foi quem o entregou ao guitarrista. Poucos dias antes de morrer, Harrison ofereceu-o a Paul McCartney, que viria a usá-lo num disco.
É nas traseiras da casa onde vive, num pequeno anexo, que Domingos Machado e o filho transformam a madeira bruta em dezenas de instrumentos, como guitarras, bandolins, violas ou cavaquinhos.
"A bancada está a precisar de reforma", brinca, apontando para a mesa onde se acumulam latas de verniz, tubos de cola e ferramentas. Numa outra divisão há uma adega improvisada, onde Domingos recebe as visitas. Foi ali, de copo de vinho branco caseiro na mão, que o artesão privou com António Chainho, Rão Kyao, Júlio Pereira e José Mário Branco.
Amália Rodrigues também lá esteve, em Março de 1999.
"Venho aqui pedir-lhe para me ensinar guitarra, pode ser?" Domingos aceitou, mas a diva do fado morreu pouco depois.

por André Rito, Publicado em 17 de Setembro de 2009,no I -
Fotografia: nelson d?aires/kameraphoto

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