domingo, 28 de agosto de 2011

Bob Dylan com The Band, na gloriosa década de 70

No fim 1973, Bob Dylan, não estava satisfeito com a sua gravadora por achar que a Columbia o menosprezava. O empresário David Geffen tentava convencer Bob para que ele trocasse de gravadora, já que o seu contrato estava prestes a acabar.

Geffen havia fundado a Asylum em 1970, facturado "uma nota preta" com Joni Mitchell e os Eagles, vendido a gravadora em 1972 e reassumido o controle em 1973, quando aconteceu a fusão do seu antigo selo com a Elektra. Sabendo que Dylan confiava em Robbie Robertson, o empresário aproximou-se do guitarrista dos The Band, para se tornar amigo de Bob. Foi quando propôs um "revival" da parceria entre Dylan e os The Band, com um álbum de estúdio, uma tournê e um disco ao vivo.

Afastado dos palcos há 7 anos, Bob havia desenvolvido uma espécie de fobia ás apresentações ao vivo. Tinha feito raras aparições nos últimos anos, como no programa de televisão de Johnny Cash e no Concerto para Bangladesh, entre outras. Era uma figura ausente desde a explosiva tournê do álbum Blonde on Blonde, de 1966 — registada no incrível disco ao vivo, The Bootleg Series Vol. 4 – Live 1966: The ‘Royal Albert Hall’ Concert, e no documentário de Martin Scorsese, No Direction Home — com os seus furiosos confrontos com a platéia e as performances incediárias que, dizem, teriam criado o Rock com letra maiúscula, lembrando que na época os Beatles e os Rolling Stones ainda investiam em baladas melosas como, Here, There and Everywhere e Lady Jane.

Na sequência, gravou as Basement Tapes — que continuavam arquivadas — e uma série de álbuns de country rock. Apesar de terem rendido grandes momentos em estúdio — com clássicos como John Wesley Harding e Nashville Skyline —, faziam alguns anos que Bob andava sendo abandonado pelos fãs e queimado pela crítica. Lançou dois álbuns em 1970 — Self Portrait e New Morning —, uma colectânea de hits e, apenas em 1973, apareceu com a trilha sonora de Pat Garrett and Billy The Kid, filme de Sam Peckinpah em que o músico também actua, ainda num papel menor.

O facto é que aquele não parecia um bom momento para Bob, e a gravadora realmente tinha perdido o interesse no compositor.Tudo isso pesou na hora em que Dylan teve que tomar uma decisão: ele não romperia com a Columbia, mas gravaria sim para a Asylum os discos propostos por Geffen.

De maneira bastante inteligente, criou a Ram’s Horn Music, e assinou um contrato bastante vantajoso, em que era o único dono das suas músicas.

No mesmo mês em que entrou em estúdio com os The Band para gravar um ábum inédito pela Asylum, a Columbia lançou uma colectânea com composuções inéditas de Bob. Com o título, Dylan, o álbum trazia dois outtakes de Self Portrait e sete de New Morning. Montado à pressa, sem o consentimento do artista, foi reconhecido como uma espécie de vingança da antiga gravadora, no intuito de desviar as atenções do trabalho seguinte do músico pelo novo selo, além de facturar mais algum com o nome do cantor.

Dylan, recebeu péssimas críticas e ficou conhecido como o pior álbum na discografia de Bob. Na verdade, é uma afirmação um tanto pesada. Não se trata de uma colecção de canções tão detestável quanto sugerem. São apenas nove faixas: duas canções tradicionais, seis covers e uma única de autoria do próprio Dylan.

O disco abre bem com Lily of the West, e segue com Can’t Help Falling in Love, um sucesso na voz de Elvis Presley. Sarah Jane foi composta por Bob e talvez seja o ponto alto do álbum. Há ainda Big Yellow Taxi de Joni Mitchell, Mr. Bojangles de Jerry Jeff Walkers, A Fool Such As I, The Ballad of Ira Hayes, entre outras. Spanish Is the Loving Tongue já havia sido lançada em 1971 como lado B do compacto Watching the River Flow. Mas a versão de Dylan, é um take alternativo, diferente do single.

Por ser a primeira colecção oficial de sobras do artista, em certo sentido pode afirmar-se que Dylan, é o marco zero das Bootleg Series. Um prato cheio para aqueles que apreciam Self Portrait e New Morning.

As sessões de Planet Waves foram breves. O disco inteiro foi gravado em apenas cinco dias no estúdio A do Village Recorder, em Los Angeles. A voz suave que havia marcado a fase country do Dylan foi abandonada. Bob voltou a cantar com o tom de verdade absoluta que marcou sua interpretação e suas letras nos da primeira metade da década de 1960.

Três músicas tinham sido compostas em Junho de 1973, e ensaiadas na casa de Robbie Robertson no mês de Setembro: Forever Young, Nobody ‘Cept You e Never Say Goodbye. A banda tocou os três temas, em 2 de Novembro, uma sexta-feira, o primeiro dia das gravações. O baterista Levon Helm recentemente chegado da Costa Leste, ainda não tinha chegado a Los Angeles.Na segunda-feira, 5 de Novembro, tentaram um novo take de Nobody ‘Cept You. Ainda realizaram a gravações definitiva de You Angel You e Going, Going, Gone. Fizeram uma nova tentativa com Forever Young, que não agradou a Bob.

Na terça-feira, 6, gravaram Hazel, Something There Is About You e Tough Mama. Dylan e The Band voltaram ao estúdio na quinta-feira, dia 8, quando fizeram três takes de Going, Going, Gone e gravaram a animada On A Night Like This. Houve uma nova tentativa com Forever Young,que já se revelava a canção mais difícil do disco. Após várias tentativas em falso, uma versão completa foi gravada. Apesar de ter agradado a todos os músicos e ao produtor Rob Fraboni, Dylan recebeu a visita de um amigo no estúdio. Estava acompanhado da namorada, que fez comentários depreciativos sobre a composição, deixando o artista inseguro, apesar da insistência de Fraboni.

Dylan pretendia terminar o disco na sexta-feira, dia 9. Quis fazer uma nova tentativa de Forever Young e ficou na dúvida sobre qual das versões era a melhor. Chegou a comentar com o produtor que já tinha aquela canção em mente, havia cinco anos, e continuava sem saber como a gravar.

Foi composta por Bob para um de seus filhos e soa realmente como as palavras de um pai. A expressão Forever Young não é uma invenção de Dylan, mas como lembra o biógrafo Howard Sounes, um de seus maiores méritos como compositor é justamente sacar termos do seu lugar comum e enriquecê-los de significado. O poeta John Keats já havia usado “for ever young”,em Ode a uma Urna Grega.

Nesse mesmo dia, gravaram uma música nova, Wedding Song. A canção parece ser sobre a vida pessoal de Dylan, sobre o seu casamento com Sara, mãe dos seus filhos.

A intenção inicial era encerrar o disco com Nobody ‘Cept You, mas como não conseguiram um take satisfatório da canção, acabaram excluindo a faixa do álbum e colocaram, Wedding Song no seu lugar. Nobody ‘Cept You chegou a ser tocada nos primeiros shows da tournê. Para muitos fãs, esta música é o primeiro sinal de que o casamento de Bob e Sara estava a chegar ao fim.

Já existiam temas suficientes para o disco, mas Dylan quis realizar mais uma sessão no dia 14 de Novembro. Uma nova versão de Forever Young foi tentada, com arranjo diferente. No fim, duas versões diferentes dessa música acabaram por entrar no álbum: uma mais lenta, no final do lado A, e outra mais enérgica, abrindo o lado B.

É o título mais lembrado de Planet Waves. Nessa sessão final, também gravaram Dirge, que na fita master ganhou o título de Dirge for Martha. É uma canção sobre um amor do qual se sente vergonha, com o seu marcante início que diz “I hate myself for lovin’ you”. Bob tocou acordes dramáticos no piano e cantou com intensidade, enquanto Robbie tocou violão. O segundo take é o que entrou no álbum. Existe conhecimento de pelo menos seis outtakes de Planet Waves: Adalita,Crosswind Jamboree, House of the Rising Sun, Nobody ‘Cept You, Short Jam, e uma instrumental sem título.

O primeiro take de Nobody ‘Cept You, gravado no dia 2 de Novembro sem o baterista Levon Helm, acabou por ser lançada no Volume 2, da coleção The Bootleg Series. A segunda versão de House of the Rising Sun, chegou a circular entre colecionadores em alguns raros, títulos piratas. As demais, até ao momento, permanecem completamente inéditas.

Inicialmente, o disco iria chamar-se, Ceremonies Of The Horsemen, em referência a letra de Love Minus Zero/No Limit, do álbum Bringing It All Back Home (1965). O álbum estava previsto para chegar às lojas no dia da estreia da turnê de 1974. Mas na última hora Dylan resolveu mudar o título, atrasando em duas semanas o lançamento de Planet Waves.Ele mesmo pintou a capa, que é superior á de Self Portrait(1970) ou mesmo Music from The Big Pink(1968), dos The Band, que também foram criadas por ele.

No canto direito,lê-se “Cast-iron songs,and torch ballads”. No lado esquerdo, a palavra ‘Moonglow” foi interpretada como um subtítulo.Ainda que não seja um marco na discografia de Dylan — e nem o retorno artístico que muitos esperavam —,Planet Waves, é um disco ótimo. Lançado no dia 17 de Janeiro de 1974,tornou-se no primeiro e único álbum de Bob a alcançar o primeiro lugar nas listas de vendas.

Foi bem recebido pela crítica e contém várias canções acima da média. Com uma certa rusticidade caseira e sendo bastante confessional, é um disco com várias faixas sobre a temática do amor, ainda que esse sentimento seja expresso em diversos tons, incluindo alguns um tanto sombrios, como suspeita, ciúmes, pretextos, recordações e raiva.

No mês de Janeiro, iniciou aquela que foi anunciada como "Tour ’74" de Bob Dylan and The Band, apresentando-os como astros de primeira linha. Foi a primeira turnê por grandes estádios da era do rock, com quarenta shows nos maiores lugares dos Estados Unidos, numa excursão que durou mais de seis semanas.

Pela primeira vez, os artistas tomaram decisões importantes sobre o formato musical dos shows, montagem do palco e duração da digressão. Também — e esse foi um diferençal importante para David Geffen atrair Dylan — os musicos ficaram com a maior parte dos lucros.

Bill Graham — proprietário dos Fillmore East and West e um dos maiores promotores de shows daquela era — foi contratado para se encarregar da logística. A banda viajava numa jato particular, o Starship 1. A publicidade foi exagerada, com Geffen anunciando aquele como sendo “o maior evento da história do show business”.

As entradas custavam 8 dólares, o que era um valor alto para o padrão da época. Mas era a primeira turnê de Dylan desde Blonde on Blonde (1966) e o público estava sedento! Também foi a primeira tourné em que as pessoas podiam comprar as entradas por telefone. Resultado: 7% da população dos Estados Unidos teria procurado por bilhetes e todos os 658 mil "tickets" foram vendidos, gerando mais de 5 milhões de dólares.

Os shows eram apoteóticos. Como de costume, Dylan não era um intérprete que oferecia versões pasteurizadas das canções, de maneira idêntica as gravadas nos discos. De um show para o outro, uma mesma canção podia ganhar um arranjo totalmente inédito, exclusivo (e as vezes até versos novos), nascido da pura inspiração desse artista fenomenal (facto que torna os discos piratas ao vivo do artista muito procurados e valorizados pelos fãs).

The Band, como o grupo lendário que era, acompanhava os improvisos de Bob sem pestanejar.Os shows eram longos, com sets acústicos e elétricos, com o set list, sendo composto tanto por composições de Dylan quanto dos The Band. Tornando tudo ainda mais único, não era raro eles interpretarem alguma cover, canção tradicional ou música inédita que nunca entrou nos álbuns. Esse é um expediente que Bob utilizou em praticamente toda carreira (e outro facto que torna seus discos piratas apreciados).

Um exemplo clássico dessa turnê foi a execução de Nobody ‘Cept You, um outtake de Planet Waves. Em alguns shows ela entrou no repertório.Todas as músicas ganhavam roupagens novas, mais fortes, vigorosas, agressivas, firmes. Robbie Robertson comentou:

“Quando a gente tocava ao vivo, a música ficava muito dinâmica, violenta e explosiva. (…) Mesmo na nossa primeira turnê em 1966, foi a mesma coisa: quando a gente começava a tocar, elas todas saíam com esta atitude agressiva e bombástica. Quando a gente se reuniu para fazer a Tour ’74 aconteceu de novo. A gente apenas retornou automaticamente a uma certa postura em relação às canções.”

Entretanto, nos shows de 1966, Dylan and The Hawks (o primeiro nome dos The Band) eram vaiados por reformularem as canções. Quando repetiram a dose nesse retorno bombástico em 1974 foram aclamados como heróis. Mesmo músicas mais lentas, como Lay Lady Lay, eram cantadas aos berros. Muitas composições tinham performances que se aproximaram do hard rock.

E as capacidades poéticas de Dylan mostravam-se mesmo ilimitadas. Letras antigas, transformavam-se em temas atemporais e ganhavam novos significados, como It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding), que com o recente escândalo de Watergate, levava o público ao delírio nos versos que diziam que “até o presidente tinha que ficar nu”.

Foi nessa série de shows que, pela primeira vez, o público passou a acender fósforos e isqueiros durante as canções. O fotógrafo Barry Feinstein comentou que :

“Todos sabiam que estavam na presença da grandeza”. Seu registro das centenas de pequenas chamas no escuro acabou por se tornar na capa de Before the Flood, o álbum ao vivo duplo que registrou a Tour ’74. Mais do que isso, foi o primeiro disco ao vivo de Bob Dylan.Os shows foram tão monumentais que existem incontáveis registros piratas deles circulando no mercado negro. Inclusive um deles, em CD duplo intitulado Paint The Daytime Black, é apontado como um dos melhores álbuns não oficiais de Dylan.

O áudio dessa tournê é um dos mais aguardados pelos fãs para uma nova edição da coleção The Bootleg Series.

A influência dessa fase na carreira de Bob é imensa. Foi uma revitalização artística incrível. Bob Dylan, estava de novo, no topo, brilhando com todo o destaque que merecia. Além de ter facturado muitos dólares, o público estava novamente, interessado em tudo que Dylan fazia.

Não foi à toa que ele abriu a Tour ’74, a 3 de Janeiro, em Chicago) com uma versão nova de Hero Blues, gritando ao microfone que tinha “um pé na estrada e outro no túmulo”. Desde então, Dylan segue naquela que ficou conhecida como a Never Ending Tour, permanecendo constantemente na estrada. Ao que tudo indica, deve continuar subindo ao palco enquanto estiver vivo.

A parceria com David Geffen surtiu resultados.Planet Waves,tornou-se no único álbum de Dylan a chegar ao primeiro lugar dos tops. E todos os shows da tour tiveram as entradas esgotadas. Mas mesmo assim, o artista não permaneceu na Asylum. Em Agosto de 1974 a Columbia ofereceu um contrato muito vantajoso para Dylan, que retornou á sua antiga gravadora. Mais do que isso, ele permaneceu com os direitos de, Planet Waves, e Before the Flood, ficando no seu catálogo.

O caminho estava aberto e na sequência iria lançar os dois títulos mais marcantes de sua discografia na década de 1970: Blood on the Tracks(1975) e Desire(1976).

Também, com todo o interesse despertado pela sua parceria com os The Band (e para estancar a fuga de dólares, que estava a entrar no bolso dos piratas), oficializou as sessões de 1967 num álbum duplo: The Basement Tapes(1975), que não deixa de ser outro protótipo do The Bootleg Series.

Em seguida, em 1975, saiu com outra tournê espetacular, colossal: Rolling Thunder Revue. Esses shows iriam render o documementário colossal, Renaldo and Clara (1978) — com quatro horas de duração —, o segundo disco ao vivo de Dylan, Hard Rain (1976) e o quinto volume da The Bootleg Series: Live 1975(2002).

Em retrospecto, Planet Waves é outro daqueles discos que simbolizam uma viragem na carreira de Dylan. Já o ao vivo, o duplo Before the Flood, é ainda mais aclamado. Vários críticos e publicações de respeito, inclusive em resenhas recentes (revisitando a tradição do rock), apontam este álbum como sério candidato a “melhor disco ao vivo de todos os tempos”. Ou seja, obrigatório!

Por Rodrigo de Andrade (Garras), no Armênios

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