"Antes de conhecer o Rui, já tinha a letra e a música do Chico Fininho. Tinha escrito aquilo para explorar o lado kitsch da música portuguesa, para me divertir e cantar entre amigos. O Rui fez um bom arranjo e levou a canção com outras que escrevi em inglês à Valentim de Carvalho, em Lisboa...", explica Carlos Tê ao DN.
Dada a resposta da editora, o eterno letrista do "pai do rock português" teve de pôr de parte as influências anglo-saxónicas e encarar o desafio de escrever na sua língua, apesar de desprezar o "nacio- nal-cançonetismo" que dominava o panorama na adolescência e de ter a necessidade de romper com a moda que lhe sucedeu: os cantores do PREC.
"A música era para mim escapatória de um país sombrio e miserável. Era onde conseguia pontos de fuga... Na adolescência comprava discos vindos de Inglaterra e aquilo dava-me estatuto. Juntava amigos em casa, ouvíamos discos, discutíamos as canções... Hoje, isso é impensável. A música é cada vez mais descartável", realça Carlos Tê, que fez as pazes com Portugal só depois do 25 de Abril de 1974.
Durante a ditadura, para fugir à Guerra Colonial, pensou exilar-se na Dinamarca: "Escapei por dois anos, mas mantinha incrível ponte de afectividade musical com os amigos mais velhos que foram para a guerra. Podiam estar em Tete, no mato, a combater a Frelimo, que às vezes lá recebiam um aerograma meu a dizer '...aqui vai a última cassete dos Emerson, Lake & Palmer; dos Jetrho Tull', etc..."
O culto quase tribal à volta da música veio daí e floresceu quando o talento musical de Rui Veloso encontrou a criatividade da escrita de Tê, que quis ficar na sombra: "O Rui desafiava-me e até apareci a tocar com ele, no início dos anos 80, num programa televisivo, A Árvore das Patacas, mas vi logo que aquilo não era para mim..."
O lugar de Carlos Tê era a escrita, onde a inspiração sempre lhe surgiu através das notícias de jornal, de histórias que lhe contavam ou de impressões que juntava a passear pela sua cidade. É por aí que começa o demorado processo de escrita, bem patente em Porto Sentido, que nasceu por contraponto às inúmeras canções sobre Lisboa: "Não havia nenhuma canção sobre o Porto que me agradasse a ponto de apanhar aquele ressentimento em relação a Lisboa. Essa letra teve muita carpintaria; andei muito tempo de martelo e escopo a burilar cada palavra..."
Hoje, Carlos Tê escreve menos letras, também porque se gravam menos discos. Mantém estreita a relação com Rui Veloso, que ainda tem lá por casa uns 15 poemas para transformar em canções.
O letrista tem-se dedicado a projectos que cruzam a afeição pela escrita e pelo Porto. O mais recente é Cimo de Vila (ed. Afrontamento), livro de "textos, impressões e pequenos poemas" sobre a sua cidade, com ilustrações de Manuela Bacelar. E continua a encontrar nas suas canções uma magia que não o deixa de surpreender: "É gratificante ouvir uma plateia a cantar algo que escrevi, mas já trato aquilo como se fosse de outrem. As canções são algo que apenas vagamente nos pertencem."
Autor: Sérgio Pires - DN Artes
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