quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Cream - A História - Parte I

A Londres de 1964 era, definitivamente, um lugar especial para se viver. Nunca, desde a Era Vitoriana, os ingleses, e em especial a sua capital, haviam vivido um período tão fértil e promissor como o daqueles anos – e talvez nunca mais viveriam. O que se havia tornado na fortuna do Império Britânico naquela longínqua época de bens de consumo exuberantes advindos da Revolução Industrial e as especiarias importadas das colónias , entretanto, não era o que fazia o êxito do Reino Unido agora, na abóbada celeste dos coloridos anos 60. Pois é impossível não se falar neles, já que foi com eles que tudo começou: os Beatles.

“Nós éramos motivo para vender de tudo , de discos a veludo cotelê” ,comentaria George Harrison anos depois, naquela série documental sobre a banda, “Anthology”. E era verdade. A chamada Invasão Britânica, que assolou os Estados Unidos e, por conseguinte, todos os outros países do continente americano como uma praga desde que Lennon & MacCartney e a sua entourage real, puseram os pés no aeroporto de New York pela primeira vez ,mudou o mundo, pintou de histeria as paradas pop e tingiu de sons diferentes e diversificados toda a produção fonográfica mundial .

E assim como os "escravelhos" de Liverpool eram uma tremenda novidade naqueles anos de caras sisudas e pôpas pseudo-rebeldes a la Elvis e James Dean, enquanto toda a sociedade organizada ainda se resguardava de todos os ataques de uma sociedade jovem ainda silenciosa, mas reivindicante de mudanças modernistas radicais e ideologias novas a serem introduzidas (e que estavam sendo operadas há anos, nos EUA, pelos beatniks, e seus jovens seguidores, os cantores folk, como Bob Dylan), a sede por coisas novas, variedades, era intensa – daí o grande fomento da indústria musical através de novidades, visto que novos filões estavam abertos ao consumo público. O avanço da tecnologia e dos novos métodos de gravação, também, eram causadores disso – as fracas experiências realizados para os filmes de Walt Disney, na década de 50, para quase 50% das cópias de discos produzidas no início dos anos 60 nos EUA, as gravações stéreo, inovação tecnológica introduzida no mercado fonográfico, representavam uma maior fidelidade de som presente na sala de reprodução do ouvinte que deixava maravilhados os cultores das novas técnicas de gravação. A partir daí, passou a falar-se em canais, mixagens e equalização, com bem mais propriedade, visto que o sistema stéreo, em que a reprodução do som se torna mais ampla no ambiente através da divisão do som em duas vias de reprodução simultâneas (canal esquerdo e direito) dava mais sensação ao ouvinte de proximidade com a música real.

Obviamente, todo este período de euforia na História da Música Popular mundial foi a porta para que várias modas e tendências musicais fossem introduzidas. E em Inglaterra, terra dos Beatles, dos seus sucessores Rolling Stones e de uma nova e sensacional banda chamada The Animals, em 1964, o negócio era o blues.

Claro. Logo ficou evidente aos jovens britânicos que toda aquela explosão de criatividade dos grupos emergentes tinha a sua razão de ser numa só raiz – pois todos, com ou sem influências de country & western, doo-woop, motown ou até mesmo rythim n’ blues, acabavam sempre bebendo daquela água original, de preferência barrenta das margens do Mississipi (Muddy Waters). Dessa forma, então, é que nasceu, na capital absoluta das novidades, Londres, o movimento dos jovens puristas de blues.
Na verdade, esta tendência já existia há muito tempo – desde os anos 50, quando jovens britânicos descontentes com a mediocridade do mundo inglês frio e hostil em que viviam, como Cyril Davies, Alexis Korner e John Mayall, (foto ao lado) resolveram dedicar-se full time à música que ouviam nos discos de blues americano importados por marinheiros do Mersey. O próprio Eric Burdon, vocalista dos Animals, um dos grandes entusiastas do movimento purista de blues inglês, é quem lembraria essa sensação, numa entrevista concedida mais tarde, nos anos 70: “A gente ouvia todos aqueles nomes esquisitos, canções estranhas cantadas por Big Maybellene e Wynonie Harris, e aquilo era fascinante e tão diferente! Senti no acto que um dia eu teria que cantar daquela maneira...”.

Pois é, foi exactamente assim que a febre do blues pegou no público jovem britânico. Haviam as cisões, é claro: ou eram as "groupies" ensandecidas dos Beatles na área de Liverpool, Blackpool e Manchester, ou ainda os mods e "rockers" da região de Glasgow, Manchester e também em Londres (os primeiros curtiam motown e sons de grupos negros americanos, mais influenciados pelo soul e doo-woop, e tinham uma filosofia de vida bem "dandy", antenados mais com a moda e os prazeres materiais da vida do que tudo, e os segundos gostavam de rockabilly selvagem e motos cheias de adornos, eram típicos Hell’s Angels, e dariam luz, quase uma década depois, ao movimento punk britânico).

O blues, no entanto, já estava bem disseminado nas ilhas de Vossa Majestade em 1964, e foi justamente naquele ano que duas bandas estavam disputando paso a passo, o título de “melhor banda de blues inglês” entre os seus admiradores, jovens ingleses existencialistas, grande parte deles universitários ou profissionais autónomos emergentes da Era das Sensações (como o fotografo dandy do clássico filme Blow Up , de Antonioni, de 1966), com um bom cachimbo (bem ao estilo Sherlock Holmes) e roupas e penteados exóticos – eram eles, basicamente, a plateia que enchia os enfumaçados pubs de blues daquela época, em Londres. As tais duas bandas eram o John Mayall & his Bluesbreakers e a Graham Bond Organization – desnecessário dizer que, pelo prestígio que ambas tinham no cenário britânico de blues, um sem-número de futuras estrelas do rock britânico passaram pelas suas assistências, absorvendo aquela experiência que lhes seria tão preciosa: Mick Jagger, Charlie Watts, Brian Jones (Rolling Stones), Peter Green (Fleetwood Mac), Paul Jones (Manfred Mann) etc. etc. blá-blá-blá... e, afinal, os heróis de nossa história: Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce.

Ginger Baker, nascido Peter Edward Baker em 19/08/1939, na pequena cidade de Lewisham, desde cedo se interessará por ciclismo, participando em várias competições juvenis ainda muito jovem . Entretanto, foi a música que preencheu a sua atenção, e lá estava ele, enfronhado nas audições dos velhos discos de jazz do seu pai, vindo a tornar-se grande fã de Dizzy Gillespie. Inicialmente, teve aulas de trumpete, mas já aos 15 anos, adoptava a bateria como instrumento definitivo, vindo a tocar com várias bandas num curto espaço de tempo e profissionalizando-se no ofício com uma velocidade impressionante. Como membro da Storyville Jazz Men, Baker chamou a atenção de vários críticos para aquele novato, que havia aprimorado seu estilo ouvindo discos nos quais tocava Baby Dodds, célebre baterista de grupos de New Orleans – foi esta lenda do jazz e do blues americanos que práticamente criou o conceito de um só baterista de jazz na banda tradicional, que antes contava com pelo menos dois ou três percussionistas para a secção rítmica. Dodds arrumava todo o kit de percussão de forma que tivesse total controle para tocar de tudo um pouco. E foi ouvindo Baby Dodds com afinco que Baker se tornou naquilo que conhecemos: um exímio, inventivo e eclético baterista, capaz de proezas rítmicas impensáveis para aquele tempo de bateristas firmemente aferrados a uma forma fria, quase matemática e impessoal, de tocar o jazz.

Por trás de todo o grande gênio, entretanto, há sempre uma personalidade estranha ou conturbada. Devido a já precoces problemas devido ao seu temperamento explosivo, aliado ainda a um gosto pela heroína desenvolvido desde as suas primeiras noite de jam session com os seus primeiros grupos, Baker arranjava "guerras" onde quer que estivesse e era invariavelmente “convidado” a retirar-se das bandas em que tocava, chegando mesmo a pensar em abandonar a carreira musical poucos dias após a sua expulsão da Storyville Jazz Men, com quem tocara até 1959. Porém, encorajado por amigos do meio musical que reconheciam nele um talento singular, Baker continuou tocando o barco, quer dizer, o bombo e todo o resto, até 1961, quando numa temporada em Londres com um sem-número de grupos que estava acompanhando (sempre como convidado especial), conseguiu arranjar um lugar fixo no lendário Blues Incorporated, do pioneiro do blues Alexis Korner, substituindo ninguém menos que Charlie Watts – que partira para se aventurar vocês já bem sabem aonde...

O engraçado é que todos estes "combos" de blues eram sempre muito cheios de swingue – não me refiro ao swing de batida, ritmo quente, mas sim ao troca-troca mesmo de componentes, um eterno vai-e-vem que parecia não terminar nunca. Só de Junho a Agosto de 1962, o Alexis Korner & the Blues Incorporated trocou de vocalista não menos que três vezes: Paul Jones (do futuro Manfred Mann), Ronnie Jones e até Mick Jagger (que surpreendia todo mundo com seus trejeitos efeminados, muito antes disso se tornar moda). Pois eis que em novembro de 1962, o Blues Incorporated ganha um novo membro fixo, o saxofonista Graham Bond, e três meses depois o que acontece? Bingo! Graham Bond deixa o Blues Incorporated, mas não sem fazer um estrago. Ele leva consigo, para formar sua própria banda, Ginger Baker e o baixista Jack Bruce, outra fera que vinha acompanhando Alexis Korner.

Jack Bruce, nascido John Simon Asher Bruce, em 14/05/1943, em Bishopbriggs, Escócia, possuía estrita formação musical desde cedo, tendo já estudado cello e piano, além de ter participado em corais de igreja durante vários anos – o que explica a sua excelente e eficaz postura vocal. “Desde a escola, no entanto”- conta ele – “a minha grande ambição era ser um baixista, porém eu era ainda muito miúdo para conseguir segurar o monstro”(refere-se ele aos enormes baixos acústicos, visto que na época os modelos elétricos ainda não eram tão populares). “Finalmente, aos 15 anos, já tendo crescido o bastante, consegui realizar o meu desejo”. Assim como Baker, Bruce tocara em vários grupos de jazz e blues, mas ao contrário do parceiro, tinha uma experiência formal e clássica mais avantajada – já tinha viajado para tocar em Itália, em famosos festivais de jazz e até aos 17 anos, tinha estudado sériamente música clássica na Academia Real Escocesa de Música, em Glasgow, só saindo de lá por demonstrar o seu já inegável e crescente interesse pelo jazz e blues.
The Graham Bond Organization, em 1965:
Baker e Bruce são os primeiros da esquerda para a direita

O período entre 1963 e a metade de 1965 foi um dos mais prolíficos na mítica trajectória da Graham Bond Organization como desbravadores do território do blues inglês. Com Graham Bond, Ginger Baker, Jack Bruce, mais o lendário guitarrista John McLoughlin e o saxofonista Dick Heckstall-Smith, eles lançaram dois álbuns clássicos (The Sound of '65 e There's a Bond Between Us), que consolidaram a sua presença de palco entre o público londrino de blues, e os levaram a diversos shows de rádio e programas de TV que divulgavam bandas do gênero.

Entretanto, logo ficou claro que as coisas não andavam tão bem assim dentro do grupo: o eterno génio exterminador de Baker fez-se mostrar. Se nos palcos a coisa funcionava excelentemente bem, é porque nos ensaios a "guerra" havia sido fratricida para chegarem a um consenso: Bruce e Baker brigavam constantemente, discutindo sobre tudo, desde o volume com que Bruce amplificava o seu baixo eléctrico até a força com que Baker atacava os pratos. Tudo era motivo para uma boa guerra de gritos. No inicio a reacção dos outros membros da banda foi normal – aquilo era até um bom medidor do nível de perfeccionismo do grupo em busca de um grau evolutivo mais elevado. Entretanto, logo a coisa começou a ficar mais séria.

Num gig do qual hoje em dia ninguém mais se recorda bem aonde foi exactamente, mas apenas de que foi realizado em Julho de 1965, membros da audiência assistiram, complacentes, a uma ruidosa discussão entre Baker e Bruce que por pouco não descamba para a violência física – já que a verbal, estava ardendo em chamas a partir do momento em que Bruce, fazendo uma "malha" cheia de virtuuosismo,no seu baixo, como ele adorava fazer, saiu um pouquinho dos acordes planeados numa das canções, ao passo que Baker parou imediatamente, no meio da música, berrando um grosseiro “eu disse-te que não era pra ser assim, seu fuckin’ idiota!”
A partir daí, o show acabou, e o ingresso daquela noite ficou valendo pela curiosidade de se ver Bond e Heckstall-Smith tentando apaziguar os ânimos de seus colegas de banda, num desconcertante “deixem-se disso”.

Logo ficaram evidentes os "complôts" que Baker, um conspirador no melhor dos estilos, estava a arquitectar para tirar Jack Bruce do Graham Bond Organization – e foi exactamente o que aconteceu, em Agosto de 1965, após mais uma discussão entre Bruce e os outros membros da banda, de que seria melhor que saísse para que, inclusive, permanecesse vivo. “Nada pessoal, Jack”- Bond – “mas o Ginger já andou até guardando um canivete na cintura dizendo que, caso apareças novamente num dos shows ou ensaios, ele não responde por si.” Só depois de muitos anos esta incrível história seria revelada pelos biógrafos do Cream, mas é verdade: talvez, por algum descuido, e devido ao seu irrascível temperamento por vezes alterado pela heroína e bebida, Ginger Baker pudesse um dia ter esfaqueado Jack Bruce, ainda que actualmente ninguém queira mais tocar neste assunto.

Bruce, convenceu-se de que era melhor ser um baixista sem banda, e vivo, do que um baixista na banda, mas morto pelo próprio companheiro de grupo, resolveu finalmente sair, e por volta de Outubro de 1965, preparava a sua nova investida, de forma a impressionar todos os seus amigos !


John Mayall and the Bluesbreakers.Eric Clapton,treceiro da esqª.

Entretanto,o grupo de John Mayall, The Bluesbreakers, estava a disfrutar de um extraordinário sucesso desde que um dos mais prestigiados guitarristas de todos os tempos, o jovem Eric “Slowhand” Clapton, havia deixado os Yardbirds, banda que, na sua primeira fase, servia de modelo e inspiração para todo e qualquer bluesista inglês.

Eric Clapton, nascido Eric Patrick Clapton, 30/031945, na pequena Ripley, algumas milhas ao norte de Londres, é uma lenda viva do blues e do rock que, como todos sabem, passou por diversas bandas de blues , até chegar aos Yardbirds como um talento promissor considerável, especialmente após a lendária temporada da banda no célebre Crawdaddy Club, em que eles substituíram os Rolling Stones – o que ninguém esperava, entretanto, é que numa bela noite de 1963 um monstro sagrado do blues americano, o harmonicista e cantor Sonny Boy Williamson, fosse aparecer por lá, para um show surpresa. Precisando de um grupo relâmpago na hora, ele recrutou os Yardbirds. Os pobres rapazes, agarrados,apanhados com as calças na mão, pouco sabiam da fama de mandão e excêntrico daquele negão do blues, mas a atitude deles de reverência e humildade diante dele, dando o sangue e o suor em tudo o que sabiam de blues naquela noite acompanhando-o, assombrou tanto o próprio Sonny Boy quanto os privilegiados da plateia que presenciavam aquele momento histórico. Nada mal para o até então esparso currículo do jovem Clapton, que caprichou naquelas apresentações e saiu de lá ovacionado. Os Yardbirds, por sua vez, saíram de lá com um contrato de gravação praticamente assinado, graças a Giorgio Gomelski, gerente do Crawdaddy e empresário da banda.

O problema, como muitos já sabem, é que, em 1965, a direcção musical dos Yardbirds estava a ser sensivelmente alterada pelo seu empresário e pelos próprios membros do grupo, que haviam decidido firmemente “fazer dinheiro”, no rastro das bandas de sucesso que não ficavam só presas ao esquema limitado de blues, pubs e discos com um restrito público formado apenas por apreciadores do género. A partir do hit “For Your Love”, lançado no início daquele ano, os Yardbirds diziam adeus aos puristas dos blues, que os consagraram, mas que passaram a torcer o nariz para eles com aquela mudança tão radical na sua carreira: a nova canção, para alguns, era uma viagenzinha poppish no melhor estilo Beatles. Foi esta canção a carta de demissão de Clapton, que era um típico purista de blues, dos Yardbirds.

Convocado a prestar os seus serviços "guitarrísticos" ao grupo de John Mayall, Clapton lá chegou com toda a pompa underground prestada pelos admiradores britânicos de blues da época. Na manhã posterior à sua primeira noite de apresentação com os Bluesbreakers, Clapton foi, simplesmente, surpreendido com vários muros da cidade de Londres, repletos com o grafitti “Clapton is God” (Clapton é Deus), o que solidificou a aura e a imagem mítica do guitarrista para todo o sempre. Até hoje, no entanto, há ainda os que afirmem que a “canonização” de Clapton, na verdade, não passou de um mirabolante golpe de marketing, bem ao estilo dos primórdios das campanhas publicitárias de impacto que fervilhavam em Londres naqueles dias esfuziantes, e quem haveria pintado nos muros teriam sido o próprio Clapton e alguns amigos bluesistas dos Bluesbreakers, numa silenciosa conspiração em resposta ao sucesso dos Yardbirds nos charts britânicos com “For Your Love”.

Pois bem, foi no final de 1965 que Jack Bruce chegou aos Bluesbreakers de John Mayall, que já tinham lançado alguns estupendos registos sonoros em compacto e LP com Clapton (incluindo o histórico “John Mayall and the Bluesbreakers with Eric Clapton”, onde figuram as imortais “Telephone Blues” e “All Your Love”). Bruce encontra, ao lado de Clapton, um ambiente totalmente diferente daquele vivido ao lado de Ginger Baker na Graham Bond Organization: o novo colega de banda reverencia-o como um grande músico, e fica especialmente interessado nas suas habilidades jazzísticas no baixo. É nessa época que Clapton comenta com Bruce o desejo de, um dia, formar uma banda bastante diferente, com capacidade de fazer um som que ligue tudo que havia de interessante até então, sempre tendo como raiz os blues, evidentemente, mas jazzística e disposta a alçar voos bem mais altos e diversificados. Estaria o purista de blues Clapton traindo a causa, afinal?

A verdade é que, tanto Bruce quanto Clapton, como qualquer ser humano normal deste mundo, também estavam começando a perceber que tinham o desejo de, além de serem criativa e musicalmente satisfeitos, terem carreiras profissionais bem sucedidas dentro daquilo que faziam, ou seja, o mundo da música. O circuito de blues é limitado – o foi, é, e sempre vai ser. É uma espécie de sacerdócio manter-se num só estilo musical como este, além de ser um tanto quanto limitador, musicalmente falando – daí, o desejo nascente em Bruce e Clapton de formarem algo diferente. Além disso, algo pouco comentado na época era a inveja que ambos tinham do belo modelo Rover conversível que Ginger Baker havia comprado há pouco tempo. Ou seja: é óbvio que, além de dar vazão a todo o seu potencial criativo, Clapton e Bruce burilavam, intimamente, transformar o seu projeto numa “máquina de fazer dinheiro”.

Indícios desta nova banda, que Clapton e Bruce formariam foram dados, aos fãs ingleses, num obscuro lançamento fonográfico do início de 1966: Jack Bruce já havia migrado dos Bluesbreakers (onde tomara parte apenas em algumas sessões de gravação e em alguns shows) para o Manfred Mann, uma das bandas pop de maior sucesso na Swingin’ London (aquela de hits como “Do Wah Diddy Diddy” e “Pretty Flamingo”) – talvez até mesmo pelo desejo de ganhar algum dinheiro. E então, com alguns membros do Manfred Mann mais a luminosa participação de Eric Clapton (já abandonando os Bluesbreakers também), foram gravadas algumas faixas de blues tradicional, com uma nova roupagem, no entanto. A química de peso vertiginoso que se formava no entrelaçamento do baixo de Bruce com a guitarra de Clapton era impressionante, e fazia-se sentir nas três faixas gravadas para aquela compilação de blues da Elektra Records inglesa, chamada “What’s Shaking”, na qual a tal banda, um projecto de uma noite no estúdio, aparecia sob o nome de Eric Clapton & the Powerhouse.
Sem saber, haviam eles criado o embrião do Cream.(A continuar em próximos posts)

Fontes:
Denio Alves
A História do Rock (Edições Som Três, 1982)
Eric Clapton – Por Ele Mesmo (Ed. Martin Claret, 1992)
John Platt, Disraeli Gears (Schirmer Books, 1998)
Chris Welch, Strange Brew (Castle Communications, 1994)
Brian Hogg & Robert Whitaker, In Gear (UFO Books, 1992)

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