segunda-feira, 15 de junho de 2009

Fado Genético.

Filho de fadista fadista é. Inventamos o ditado para contar esta história de fado genético, de pais, filhos e avós cujas vidas se tocam nas cordas de uma guitarra portuguesa.
Camané (ou Carlos Moutinho), Hélder Moutinho e Pedro Moutinho são fadistas, irmãos (não necessariamente por esta ordem) e levam as parecenças para fora das casas de fado.
"Na rua, confundem-me muitas vezes com o Pedro", conta Camané que, aos 42 anos, até fica satisfeito quando o comparam ao irmão, dez anos mais novo. Vozes à parte, as semelhanças físicas são evidentes:
"Acontece muito chamarem -lhe Camané, mas também já me chamaram Pedro umas quantas vezes." Não admira.
Camané, o mais pesado dos nomes Moutinho na actual cena do fado português, sobe hoje e amanhã ao palco do Centro Cultural de Belém acompanhado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa - orientada pelo maestro Cesário Costa - e pelo pianista e compositor Mário Laginha.
É bem provável que na plateia estejam dois espectadores muito especiais.Manuel Paiva e Luísa Moutinho, os pais destes três fadistas, não perdem um concerto dos filhos.
"Vão sempre aos espectáculos de cada um de nós e têm muito orgulho", refere Hélder Moutinho, o irmão do meio.
Na família Moutinho, as influências vêm de cima. Manuel e Luísa também cantaram e, principalmente, viveram o ambiente das casas de fado. Camané lembra-se de descobrir as vozes de Amália, Lucília do Carmo e Alfredo Marceneiro na colecção de discos dos pais e recorda que um dos seus bisavós "também cantava".
Pedro Moutinho, que encontrámos na Tasca do Chico (Lisboa) para esta conversa, lembra-se de acompanhar a família:
"Desde que tenho memória de mim, associo-me à palavra fado e ao estar entre fadistas. Era difícil fugir a isto. Não me foi imposto, mas rodeava-me e ganhei-lhe gosto."
O gosto pelo fado começou, para Pedro, numa casa do Monte Estoril, onde cantou pela primeira vez aos 12 anos. Por essa altura, bem antes de encarar o fado a sério e de ser presença constante em casas como o Café Luso, no Bairro Alto, Pedro passou pelo Coro de Santo Amaro de Oeiras e pela banda Mini-stars.
"Coisas de miúdo", diz.
Uma década antes, já o miúdo Camané mostrava o que valia. Em 1979, com 11 anos, ganhou a Grande Noite do Fado no Coliseu de Lisboa. O primeiro disco haveria de chegar muitos anos e espectáculos de Filipe La Féria depois, em 1995, mas o fado sempre fez parte do seu quotidiano. "Cantava imenso em casa e lembro-me de o Pedro ser pequeno e adormecer a ouvir--me", recorda o fadista, para quem a carreira dos irmãos é "muito importante".
Camané acha que ter-se tornado fadista "foi decisivo" para que os irmãos seguissem o mesmo caminho. Hoje conversam regularmente sobre o trabalho, debatem ideias, partilham fados. "Acompanho a carreira deles e procuro saber sempre se as coisas lhes estão a correr bem."
Hélder Moutinho agradece a atenção do irmão, mas se há coisa que não quer é "ser conhecido como o irmão do Camané". Não é por mal - e não notamos ponta de ressentimento nas suas palavras -, mas Hélder quer fazer o seu próprio caminho "sem usar as muletas da família".
Foi sempre assim desde que, aos 24 anos, quando ainda só cantava em tertúlias de amigos, o convidaram para entrar nos circuitos das casas de fado. Hoje Hélder Moutinho é fadista, letrista, produtor e manager. Viaja com frequência ao estrangeiro para dar concertos e tem a sua carreira nas mãos.
Nestas conversas cruzadas com os três, vamos percebendo que é Pedro Moutinho, o mais novo, o laço que os une. Hélder fala do "último trabalho fantástico" do irmão, que acaba de editar o disco "Um Copo de Sol"; e Camané refere a partilha de fados, de experiências:
"Falo muito com o Pedro. Às vezes, ele recorre a algumas das pessoas que escrevem fados para mim. Está a fazer o seu caminho e isso alegra-me."
Bem pode dizer-se que, na história dos Moutinho, aquilo que os une é também o que os separa. Nenhum dos irmãos vê com bons olhos uma experiência a três em palco. Já existiram momentos, em mesas de fado, com Camané e Pedro Moutinho a trautearem umas quadras. Mas "nunca passou disso", diz Pedro Moutinho.
"Não me vejo a fazer nada com eles que possa ser comercializado, pelo menos, por enquanto. Não faz sentido nenhum", prossegue o fadista.
Hélder, que faz questão de ouvir a música dos irmãos, é da mesma opinião quando lhe perguntamos se gostaria de cantar com eles:
"Isso apenas será possível quando todos estivermos no mesmo patamar. Hoje, as pessoas iriam encarar isso como uma coisa de irmãos menos conhecidos que tentam subir à custa de outro mais conhecido."
Por : Hélder Beja, no I

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