Um Copo de Sol
Do My Space do Pedro Moutinho:
“Os filmes e a música disponíveis na Net são de quem os agarrar.”
Estas palavras proferidas há cerca de duas semanas atrás pelo Ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro geraram uma apoplexia na Sociedade Portuguesa de Autores que afirmou pela boca do compositor Pedro Osório estar “ofendida” com a “visão anti-cultural” do governante.
De forma a evitar mais mal-entendidos, o ministro veio rapidamente a público colocar “água na fervura” explicando que “aquilo que nos parece especialmente grave é quem faz o upload, é quem põe coisas na Internet para que elas possam ser descarregadas, ouvidas, lidas.”
E na verdade, apesar de à primeira vista não parecer, esta distinção entre uploads e downloads é à luz da legislação portuguesa de direitos de autor de suma importância. Muitos países europeus não consideram que quem descarrega filmes e músicas para uso pessoal e não comercial constitua qualquer legalidade. É o caso da Espanha e da Holanda.
Neste último país, a FTD, uma comunidade de Usenet que permite que os seus mais de 450 mil utilizadores encontrem facilmente conteúdos nos newsgroups, decidiu recentemente processar por difamação a BREIN, a organização que agrupa os anti-piratas holandeses, pelo seu director ter alegado que os downloads constituem uma ilegalidade e que a FTD se encontrava a cometer actividades ilegais.
Mas e em Portugal? Será que a retórica da SPA e da Associação Fonográfica Portuguesa de acompanhar sempre o adjectivo “ilegal” ao termo download tem algum fundamento na legislação nacional?
Depois de ler o Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, o Ludwig Krippahl do Que Treta! chegou à conclusão que não e decidiu enviar um email à ACAPOR, MAPINET, FEVIP, Ministério da Cultura e SPA solicitando-lhes que expliquem porque é que consideram que os downloads são ilegais, tendo em conta os direitos concedidos pela lei. Eis a carta:
Caros senhores,
Tenho ouvido falar muito, ultimamente, sobre “downloads ilegais”. Infelizmente, nunca vejo mencionados os artigos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) que estariam a ser violados por se copiar para o computador um ficheiro disponibilizado por terceiros na Internet.
Compreendo que disponibilizar esse ficheiro possa violar o CDADC, ou a variante aplicável no país de origem. Mas sei também que esta legislação varia de país para país e, seja como for, o que me preocupa é a legalidade dos meus actos face à lei portuguesa e não a legalidade daquilo que outros fazem no estrangeiro, face às leis em vigor nos seus países. Compreendo também que o uso de programas de partilha pode levar a que um ficheiro descarregado seja também distribuido. A minha dúvida é se um utilizador da Internet em Portugal viola a lei quando descarrega um vídeo do YouTube ou um ficheiro mp3 que encontre num blog, página pessoal ou serviço de armazenamento de ficheiros. Ou seja, quero saber se o download, por si só e enquanto tal, pode ser uma violação do CDADC.
Isto porque o Artigo 75º do CDADC afirma explicitamente ser legítima, mesmo sem a autorização do autor, «a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos». Adicionalmente, e respeitante aos Direitos Conexos, o Artigo 189º estipula que «A protecção concedida neste título não abrange [o] uso privado». Parece-me que o download deveria estar coberto por estes artigos, pois trata-se apenas da reprodução no computador pessoal para uso privado e sem quaisquer fins comerciais.
Pedia por isso que me ajudassem a esclarecer esta dúvida indicando qual o artigo do CDADC que torna o download ilegal e porque é que o download para uso privado e pessoal não é contemplado pelos artigos que explicitamente o declaram como lícito.Agradecendo desde já a vossa atenção, e com os meus melhores cumprimentos,
Ludwig Krippahl
E de facto o Código de Direito de Autor não parece dar grande margem para dúvidas. Mas esta carta do Ludwig apenas vem trazer á memória aquilo que muitas vezes nos esquecemos: não há nada melhor do que lermos nós próprios o texto das lei de modo a compreendermos se estamos ou não a cometer alguma infracção.
É claro que na eventualidade - muito remota - de algum dia sermos alvo de um processo, a palavra final será sempre do juiz encarregado de emitir uma decisão. Mas assim podemos ao menos prepararmos-nos melhor e não nos deixarmos intimidar pelos advogados do outro lado. Afinal de contas, quem é que nos diz que eles têm razão?
De qualquer modo, os partilhadores portugueses que não costumam disponibilizar ficheiros protegidos por direitos de autor não têm grandes motivos para se preocupar: apenas três das 38 queixas-crime apresentadas até hoje pela Associação Fonográfica Portuguesa resultaram em vitórias para a indústria discográfica. Todas elas envolveram uploaders intensivos.
E se têm realmente medo do que vos possa acontecer caso utilizem protocolos de P2P como o BitTorrent e o eDonkey/eMule, o melhor é mesmo “sacarem” só do Rapidshare e do MegaUpload. Aí ao menos têm a certeza de que nunca ninguém vos irá acusar de disponibilizar um Megabyte que seja
by Miguel Caetano in Remixtures - foto de Johntrainor segundo licença CC-BY 2.0
Há algumas semanas atrás referi aqui que os Coldplay pretendiam disponibilizar aos seus fãs um álbum de versões ao vivo dos seus melhores temas intitulado LeftRightLeftRightLeft de forma a promover a sua próxima digressão por terras dos Estados Unidos que começou no dia 15 de Maio em West Palm Beach, na Flórida. Tal como prometido, desde sexta-feira passada que o download do disco pode ser feito a partir daqui. Ao todo, são nove temas em formato MP3 com bitrate de 192 Kbps, equivalendo a 55 Megabytes.
Confesso que ainda não ouvi o disco mas quem já ouviu e gostou muito do resultado final foi Bob Lefsetz que acha que a ideia de lançar um álbum novo gravado ao vivo capaz de replicar a experiência do concerto durante o período da digressão é uma ideia brilhante, com a vantagem de poder ser facilmente seguida por outras bandas.
Igualmente original foi a forma que os norte-americanos Wilco - que tocam no Coliseu dos Recreios de Lisboa já no próximo dia 31 de Maio - encontraram para lidar com um facto incontornável dos dias de hoje: o vazamento de um novo álbum de originais. Há cerca de um mês, a banda começou a disponibilizar cópias promocionais pré-lançamento de Wilco (The Album).
É claro que eles já sabiam que o disco acabaria por ir parar às redes e sites de partilha de ficheiros. Mas ao contrário de outros grupos, eles resolveram preparar-se antecipadamente para a situação. Na quarta-feira passada, quando o álbum vazou, eles começaram a fazer streaming completo de todas as músicas a partir do seu próprio site. Como se isto não fosse suficiente, a banda de Jeff Tweedy e companhia solicitou ainda aos fãs que descarregaram a versão ilegal do disco que efectuassem um donativo para uma instituição de solidariedade social da zona de Chicago, a Inspiration Corporation.
Os cépticos poderão pensar que este gesto de boa vontade dos Wilco não contribuiu em nada para fazer aumentar as vendas mas o que é certo é que pouco tempo depois da notícia do streaming do disco novo da banda ter chegado ao Twitter, 0,25 por cento de todos os tweeters estavam a falar sobre a iniciativa. Em termos percentuais não parece muito, mas o que é facto é que corresponde a um número importante. Com tanto buzz, não admira que os concertos da digressão de Verão acabem por se encher!
By Miguel Caetano, no Remixtures
Em resposta ao artigo sobre o movimento MAPiNET, publicado em 26 de Novembro 2008, no Público, tenho a dizer:
A pirataria na Internet, sobretudo de filmes e música, tem causado o encerramento de pequenas empresas e a perda “acentuada” de ganhos
Imensos estudos se têm debruçado sobre este tema, e nunca se conseguiu chegar a uma conclusão. Pelos vistos há um novo estudo que já consegue concluir que existem pequenas empresas que encerraram ou tiveram “perdas acentuadas” devido à pirataria na Internet. Dêem-me os dados. Apresentem provas.
Segundo Alexandre Bravo, os cinemas perderam um milhão de espectadores em 2008, ano em que também fecharam 300 clubes de vídeo. Já a venda de música passou a gerar menos 60 por cento de receitas e terão sido perdidos cerca de metade dos postos de trabalho no sector nos últimos anos. E até a indústria livreira “começa a sentir um bocadinho na pele” os efeitos dos downloads ilegais.
Demagogia. Até hoje, e mais uma vez, ainda nunca se conseguiu arranjar um estudo de aprovação consensual que conseguisse relacionar “downloads ilegais” com “diminuição de vendas e receitas”. Caso, mais uma vez, a MAPiNET tenha acesso a um novo estudo apresentando tal relação, que mo mostrem. Dêm-me os dados. Apresentem provas.
Paulo Santos, um dos porta-vozes do movimento antipirataria, criticou ainda o facto de a legislação portuguesa (desta feita através de um diploma que tem apenas quatro anos) classificar os dados de tráfego (informação que ajuda à identificação de um utilizador da Internet) como dados pessoais: “Confunde-se o conceito de meio com o conteúdo das comunicações.” Com esta legislação, argumenta, é “praticamente impossível” combater o download de ficheiros ilegais.
Caríssimo, os “dados de tráfego” são dados pessoais, visto serem relativos a comunicações privadas, tal como são os registos das chamadas telefónicas. Não queremos nem devemos ceder os nossos direitos, as nossas liberdades e a nossa privacidade.
Esta solução implica a colaboração dos fornecedores de acesso, que são normalmente acusados pelos defensores dos direitos de autor de não quererem restringir ou vigiar a utilização das ligações que vendem para não afastar clientes.
E porque afasta isso os clientes? Será porque as pessoas não querem ser vigiadas, não querem perder a sua privacidade?
Paulo Santos admitiu ainda que o sector vai ter de se adaptar aos tempos digitais, mas que essa mudança deve ser feita “naturalmente” e não por força da pirataria.
Não terá, por acaso, a pirataria aparecido “naturalmente”?
Para que não fique nada por esclarecer, cito-vos a emenda 138 do Pacote Telecoms:
aplicando o princípio de que nenhuma restrição pode ser imposta nos direitos e nas liberdades dos utilizadores finais, notavelmente de acordo com o artigo 11 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia sobre a liberdade de expressão e informação, sem decisão anterior por autoridades judiciais, excepto quando ditado por força maior ou pelos requisitos para a preervação da integridade e segurança da rede, e sujeito a provisões nacionais da lei criminal impostas por razões de política pública, segurança pública ou moral pública.
É isto que a MAPiNET quer retirar da Lei? O requisito de ser uma Autoridade Judicial a decidir em que casos os direitos e as liberdades dos cidadãos podem ser restritos? Eu digo NÃO.
Autor: Marcos Marado é Arquitecto de Serviços e músico, com presença relevante na comunidade portuguesa de autores web. O artigo é reproduzido sob a licença CC-BY PT original, que é menos restritiva que a licença geral desta publicação.
Segundo o MAPINET - que não passa de um movimento que agrupa os lobbies dos proprietários de videoclubes, editoras discográficas e outras entidades dependente dos direitos de autor - considera que o ministro revelou um enorme desconhecimento e um total desrespeito pelo Estado de Direito e pelo direito de propriedade ao comparar os filmes e músicas que podem ser descarregados da Internet ao gesto de apanhar notas de banco caídas ao chão.
As notas caídas no chão poderão ser consideradas objectos perdidos, mas os filmes e as músicas disponibilizados ilegalmente na internet e que são objecto de download têm donos bem identificados, que foram roubados, aparentemente com o apoio do Ministro que devia protegê-los: estará o Ministro a equacionar a sua continuidade na titularidade desta pasta?
Mais uma vez, o MAPINET revela uma total má fé e desonestidade para com o público em geral. O download de ficheiros digitais não constitui um roubo uma vez que ninguém fica sem o filme ou o álbum em questão e todos os estudos académicos indicam que o acesso gratuito não exclui inevitavelmente o pagamento pelos conteúdos.
Seja como for, o que é certo é que o ministro da Cultura já aproveitou para esclarecer as afirmações que tanta polémica suscitaram. Num artigo de hoje de Isabel Coutinho do Público, Pinto Ribeiro explicou que “obviamente” não está a favor da ilegalidade ou das práticas ilegais.
O governante considera ser “complicado” uma entidade administrativa a monitorizar os hábitos de navegação online dos internautas e a ordenar a suspensão do acesso à Internet, sem que haja a intervenção de qualquer autoridade judicial. De qualquer modo, Pinto Ribeiro aproveitou ainda matizar ainda mais a sua posição de defesa da liberdade na Internet ao acrescentar que “aquilo que nos parece especialmente grave é quem faz o upload, é quem põe coisas na Internet para que elas possam ser descarregadas, ouvidas, lidas.”
É uma atitude que aos olhos das associações representantes dos detentores de direitos, só lhe fica bem. É politicamente correcta mas totalmente inócua na medida em que todos nós somos ao mesmo tempo responsáveis por uploads e downloads. Isto porque boa parte dos conteúdos já se encontra desde o primeiro momento em qualquer local online em formato digital.
Uniformização do prazo de protecção dos direitos de autor
No mesmo artigo, o ministro aproveitou ainda para fazer marcha-atrás em relação à sua posição inicial contrária à Directiva comunitária que prevê a extensão dos direitos de autor dos artistas-intérpretes relativamente aos fonogramas dos actuais 50 para os 70 anos após o lançamento original. Naquilo que aparenta ser uma cedência face às exigência veementes da Sociedade Portuguesa de Autores e ao discurso emotivo de Bob Geldof, Pinto Ribeiro fez questão de esclarecer que os “artistas-intérpretes são uma enorme preocupação do Governo” e que gostaria de encontrar uma solução para os proteger.
A protecção de 50 anos para os artistas que começaram a actuar aos 20, 23, 25, pode significar que as suas primeiras gravações, as primeiras coisas em que intervieram como intérpretes vão terminar quando têm 70, 73, 75 anos. E muitas vezes nessa idade alguns artistas já não têm capacidade de angariação de receita significativa. Compreendemos que relativamente aos artistas que estão nessa idade se possa defender que continuem a ser titulares desses direitos até à sua morte.
Contudo, ressalva que a questão da prorrogação dos direitos dos artistas intérpretes não deve ser analisada separadamente dos direitos dos restantes criadores do sector audiovisual. “Achamos que se deveria considerar a possibilidade de o regime ser o mesmo para todos, não fazermos discriminação entre aqueles que cantaram e os que fizeram telenovela ou entraram num filme.”
Quando os cidadãos portugueses já começavam a pensar que tinham um ministro que zelava realmente pelo interesse do bem comum e não apenas de uma classe profissional em especial, eis que Pinto Ribeiro os decepciona! Afinal de contas, tudo não passa de uma questão de corporativismo! O direito de autor teve sempre como missão incentivar a criatividade e não funcionar como uma espécie de reforma ou segurança social dos trabalhadores intelectuais independentes.
Graças à tecnologia digital é hoje possível remisturar e recombinar obras que já foram esquecidas pela memória colectiva. Se não fossem estes mashuppers, produtores e DJs ninguém se lembraria dessas músicas. E o mais surpreendente de tudo é que quanto mais inusitados e diversificados forem os samples, mais criativo o resultado final se torna! Nos dias de hoje é totalmente contraproducente afirmar que alargar os direitos de autor significa proteger a criatividade. Pelo contrário, medidas deste tipo significam meio caminho andado para estrangular a inovação e a criatividade, fomentar o parasitismo e reduzir o cada vez mais diminuto espaço do domínio público - aquele que é de todos e de ninguém.
by Miguel Caetano, in Remixtures.Thanks! GreatJob,Man.