sábado, 23 de maio de 2009

Código do Direito de Autor contradiz discurso dos “downloads ilegais”?


“Os filmes e a música disponíveis na Net são de quem os agarrar.”
Estas palavras proferidas há cerca de duas semanas atrás pelo Ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro geraram uma apoplexia na Sociedade Portuguesa de Autores que afirmou pela boca do compositor Pedro Osório estar “ofendida” com a “visão anti-cultural” do governante.
De forma a evitar mais mal-entendidos, o ministro veio rapidamente a público colocar “água na fervura” explicando que “aquilo que nos parece especialmente grave é quem faz o upload, é quem põe coisas na Internet para que elas possam ser descarregadas, ouvidas, lidas.”
E na verdade, apesar de à primeira vista não parecer, esta distinção entre uploads e downloads é à luz da legislação portuguesa de direitos de autor de suma importância. Muitos países europeus não consideram que quem descarrega filmes e músicas para uso pessoal e não comercial constitua qualquer legalidade. É o caso da Espanha e da Holanda.
Neste último país, a FTD, uma comunidade de Usenet que permite que os seus mais de 450 mil utilizadores encontrem facilmente conteúdos nos newsgroups, decidiu recentemente processar por difamação a BREIN, a organização que agrupa os anti-piratas holandeses, pelo seu director ter alegado que os downloads constituem uma ilegalidade e que a FTD se encontrava a cometer actividades ilegais.
Mas e em Portugal? Será que a retórica da SPA e da Associação Fonográfica Portuguesa de acompanhar sempre o adjectivo “ilegal” ao termo download tem algum fundamento na legislação nacional?
Depois de ler o Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, o Ludwig Krippahl do Que Treta! chegou à conclusão que não e decidiu enviar um email à ACAPOR, MAPINET, FEVIP, Ministério da Cultura e SPA solicitando-lhes que expliquem porque é que consideram que os downloads são ilegais, tendo em conta os direitos concedidos pela lei. Eis a carta:

Caros senhores,

Tenho ouvido falar muito, ultimamente, sobre “downloads ilegais”. Infelizmente, nunca vejo mencionados os artigos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) que estariam a ser violados por se copiar para o computador um ficheiro disponibilizado por terceiros na Internet.
Compreendo que disponibilizar esse ficheiro possa violar o CDADC, ou a variante aplicável no país de origem. Mas sei também que esta legislação varia de país para país e, seja como for, o que me preocupa é a legalidade dos meus actos face à lei portuguesa e não a legalidade daquilo que outros fazem no estrangeiro, face às leis em vigor nos seus países. Compreendo também que o uso de programas de partilha pode levar a que um ficheiro descarregado seja também distribuido. A minha dúvida é se um utilizador da Internet em Portugal viola a lei quando descarrega um vídeo do YouTube ou um ficheiro mp3 que encontre num blog, página pessoal ou serviço de armazenamento de ficheiros. Ou seja, quero saber se o download, por si só e enquanto tal, pode ser uma violação do CDADC.
Isto porque o Artigo 75º do CDADC afirma explicitamente ser legítima, mesmo sem a autorização do autor, «a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos». Adicionalmente, e respeitante aos Direitos Conexos, o Artigo 189º estipula que «A protecção concedida neste título não abrange [o] uso privado». Parece-me que o download deveria estar coberto por estes artigos, pois trata-se apenas da reprodução no computador pessoal para uso privado e sem quaisquer fins comerciais.
Pedia por isso que me ajudassem a esclarecer esta dúvida indicando qual o artigo do CDADC que torna o download ilegal e porque é que o download para uso privado e pessoal não é contemplado pelos artigos que explicitamente o declaram como lícito.

Agradecendo desde já a vossa atenção, e com os meus melhores cumprimentos,

Ludwig Krippahl

E de facto o Código de Direito de Autor não parece dar grande margem para dúvidas. Mas esta carta do Ludwig apenas vem trazer á memória aquilo que muitas vezes nos esquecemos: não há nada melhor do que lermos nós próprios o texto das lei de modo a compreendermos se estamos ou não a cometer alguma infracção.
É claro que na eventualidade - muito remota - de algum dia sermos alvo de um processo, a palavra final será sempre do juiz encarregado de emitir uma decisão. Mas assim podemos ao menos prepararmos-nos melhor e não nos deixarmos intimidar pelos advogados do outro lado. Afinal de contas, quem é que nos diz que eles têm razão?
De qualquer modo, os partilhadores portugueses que não costumam disponibilizar ficheiros protegidos por direitos de autor não têm grandes motivos para se preocupar: apenas três das 38 queixas-crime apresentadas até hoje pela Associação Fonográfica Portuguesa resultaram em vitórias para a indústria discográfica. Todas elas envolveram uploaders intensivos.
E se têm realmente medo do que vos possa acontecer caso utilizem protocolos de P2P como o BitTorrent e o eDonkey/eMule, o melhor é mesmo “sacarem” só do Rapidshare e do MegaUpload. Aí ao menos têm a certeza de que nunca ninguém vos irá acusar de disponibilizar um Megabyte que seja ;-)

by Miguel Caetano in Remixtures - foto de Johntrainor segundo licença CC-BY 2.0

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