terça-feira, 9 de junho de 2009

"Complexo - Universo Paralelo", Mário e Pedro Patrocínio

Para fazer o filme "Complexo - Universo Paralelo", Mário e Pedro Patrocínio passaram cinco anos numa das piores favelas do Rio de Janeiro. Fizeram amigos, entrevistaram traficantes e escaparam a vários tiroteios
Venderam o carro, juntaram todas as poupanças, pediram ajuda aos pais e aos amigos. Mário e Pedro Patrocínio estavam decididos a fazer um filme que ninguém acreditava ser possível: o dia-a-dia nas favelas mais perigosas do Brasil - o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Conviveram com os habitantes deste aglomerado de 12 favelas durante cinco anos. Foram confidentes, amigos e nunca se deixaram abater pelas dificuldades de filmar na chamada Faixa de Gaza carioca. Os dois irmãos habituaram-se aos polícias armados, aos traficantes e a fugir de balas perdidas. "Às vezes ia comprar pão e começava toda a gente a fugir assim que se ouviam tiros. Aprendes rápido a conhecer os atalhos por onde escapar", conta Pedro Patrocínio, de 27 anos. Mesmo assim, ainda não estavam preparados para o que lhes ia acontecer.
Um dia depois de terminarem a primeira parte das filmagens, 1500 polícias invadiram o Complexo do Alemão e mataram dezenas de pessoas. A operação tinha como objectivo manter a segurança na cidade que ia receber os Jogos Pan-Americanos, de 2007. Pedro e Mário escaparam por pouco aos tiros. Mas a polícia nem era o que os assustava mais.
"Ficámos em pânico, porque as pessoas podiam pensar que tínhamos sido nós a passar algum tipo de informação", conta Mário, o realizador do filme. No entanto, a confiança ganha à custa de muitas horas de camaradagem não se perde assim.
"Passámos cinco anos a conhecer as pessoas, a ver os lugares, a comer churrasquinho, a fazer pesquisa e a conquistar a confiança. Numa reportagem de uma semana não se apreende a realidade."
Para fazer o filme "Complexo", os irmãos conseguiram um acesso nunca antes permitido a estranhos à favela. E não sabem de cor os números do orçamento do filme - teriam tanto para contabilizar: o computador emprestado, o microfone a prestações, as deslocações?
"É muito dinheiro e nenhuma produtora quis este projecto. Nem em Portugal, nem no Brasil. Achavam que era impossível entrar lá dentro", diz Mário.

Cemitério de jornalistas - As palavras Complexo do Alemão assustam qualquer brasileiro. É um dos bairros mais violentos e confrontos entre a polícia e traficantes são comuns. Em 2002, o jornalista Tim Lopes foi brutalmente assassinado pelos traficantes. O repórter da TV Globo levava uma câmara escondida, para captar imagens de um baile funk, onde, segundo as suas fontes, havia exploração sexual de adolescentes e venda de drogas. Quando foi descoberto, não tiveram piedade.
A fama do Complexo do Alemão também assustou os irmãos Patrocínio. Pedro lembra-se bem da primeira vez que Mário foi às favelas. "Estava há um ano no Brasil, a estudar cinema e nunca tinha entrado numa favela. Os meus amigos eram da zona sul e nunca tinham socializado com os do morro. Fiquei muito preocupado."
Eram 21 horas e Mário não dava sinal de vida. Tinha ido filmar um videoclip no Complexo do Alemão, mas estava a demorar mais do que o esperado. Ainda por cima, não atendia o telefone. "Ia ficando maluco! Esperei horas, até que ele chegou, quase à meia-noite", recorda Pedro. A experiência tinha sido tão boa, que o realizador de 30 anos convenceu o irmão mais novo a juntar-se a ele no dia seguinte.

Destino? - Mário Patrocínio, que começou a carreira como actor e mais tarde passou para a realização, entrou no universo do Complexo do Alemão, quase por acaso. Se não tivesse sido convidado para ajudar a realizar o videoclip do cantor Mc Playboy, talvez nunca teria feito o filme "Complexo". "Quando recebi o convite fiquei apreensivo. Pesquisei na internet e foi ainda pior. O meu amigo só me dizia: ?Vamos todos juntos e fé em Deus!?" Não foi precisa muita fé. Apesar da tensão inicial, assim que chegaram receberam-nos bem. "O Mc Playboy é muito respeitado, por isso ninguém ficou desconfiado. Fizemos muitos amigos e sentíamo-nos em casa. Aquilo é uma vilazinha, as pessoas convidam-te para te sentares à mesa e comeres com eles", contam. Estávamos em 2003, e os irmãos foram os únicos que continuaram a visitar o morro, depois do fim das filmagens. "Gostavam de falar connosco, chamavam-nos ?os portugas?. Queriam saber como era o nosso país."
Mário e Pedro viram ali uma oportunidade. "Há muito que andava à procura de um projecto e as histórias de coragem daquelas pessoas precisavam de ser contadas." Da ideia ao projecto final foram cinco anos. O ponto de viragem foi no Natal de 2005. "Trocámos um bacalhau e um bom vinho por material de filmagem e deixámos os nossos amigos para conhecer a favela", conta Mário. De 22 a 26 de Dezembro, filmaram as reuniões familiares, os churrascos e os foguetes.

Vidas banais Como é um dia normal na vida de quem mora nas favelas do Rio de Janeiro? É possível ser-se feliz num dos lugares mais perigosos do mundo e conviver paredes meias com o Comando Vermelho, que controla 80% do tráfico da cidade? É a essas perguntas que o filme, com estreia marcada para o início de 2010, procura responder. Há quatro personagens (ver caixa): uma mãe de família, Dona Célia, o presidente da Associação de Moradores, Senhor Zé, que vive na favela há 30 anos, o artista MC Playboy e uma figura sempre presente - o tráfico.
No filme assistimos às conversas como se estivéssemos lado a lado com as personagens e vemos a favela com os olhos de quem lá mora. Por isso, a câmara não se demora no lixo do chão, nem nos polícias armados até aos dentes, que espreitam em cada esquina. Só despertamos para a iminente violência quando ouvimos, a frase de uma criança, com cerca de 4 anos, ao colo da mãe.
"Eu vou matar todo o mundo, todo o mundo, quanto tiver uma arma", diz com o ar mais ternurento do mundo. A mãe, Dona Célia, contraria o filho.
"Vai trabalhar para ganhar dinheirinho." A frase impressionou os criadores do projecto. "Ninguém nasce a traficar drogas ou com uma arma na mão. Imagina que vives com a tua mãe e cinco irmãos. Se não fores trabalhar, eles passam fome. Basta dizer que és do Complexo do Alemão, para que as pessoas tenham medo. O que é que fazes? O caminho mais fácil é ir para o tráfico."
O filme estreia em Janeiro, primeiro no Brasil e depois em Portugal. Mas o Complexo do Alemão tem prioridade.
"Têm de ser os primeiros a ver. Foram eles que nos abriram as portas", explicam os autores. Mas o projecto Complexo não é apenas um documentário.
"Vamos ter um evento musical, uma exposição de fotografia e de artes plásticas. Vão ser acções de divulgação durante 6 meses. Queremos pôr as pessoas a reflectir."
por Vanda Marque, no I

2 comentários:

Anónimo disse...

parabéns a estes dois portugueses !!!
Mostraram que é sempre possivel fazer algo de bom ... (mostrando o que há de mal) ... bastou a força de vontade .
PARABÉNS !

Anónimo disse...

tao d parabens..como passo ter o filme?? gand abraço aos dois.