sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Laranja Mecânica, antevisão da sociedade actual


Por mais que seja a fingir, a violência mostrada em determinados filmes é insuportável para algumas pessoas. Sabemos que actores ou animais não foram maltratados durante as filmagens, mas, uma vez feita a encenação, a verdade fictícia está criada.
“Laranja Mecânica”, - título original em inglês: A Clockwork Orange, - ficou proibido durante 27 anos em Inglaterra. As razões são controversas até hoje. Nos anos 1970 ocorreram vários crimes supostamente inspirados pelas cenas de ultraviolência do filme.
Isso não impediu que “Laranja Mecânica” se tornasse um dos pontos altos da carreira de Stanley Kubrick.
Experimentem, no entanto, assistir, via YouTube, às cenas de agressão, diáriamente ai colocadas, e que acontecem em todo o mundo. Chegam a ser insuportáveis tamanha a indignação que causam. Lembram, de certa maneira, as sequências de “Laranja Mecânica” em que Alex e a sua gangue atacam o velho no túnel, ou a cena de estupro.
É a vida que está cada vez mais surreal ou é o cinema que está cada dia mais real?

É extremamente difícil escrever algo sobre Stanley Kubrick ou algum dos seus filmes em particular, pois em 46 anos de carreira, realizou apenas um número reduzido de filmes - cerca de 14 - mas sendo todos eles obras-primas dentro do seu género.

Laranja Mecânica, é uma reflexão sobre a sociedade moderna e a corrupção e violência nela existentes. Baseado no livro de Anthony Burguess, na altura da estreia em cinema, foi considerado ultra-violento, perturbador e chocante. E de facto, é um filme violento para 1970 mas que na actualidade não tem esse impacto de ultra-violência. Continua no entanto, completamente actualizado no que diz respeito à temática que abordada.

A história gira em torno de Alex, um jovem perturbado e genuinamente mau, cujos únicos interesses na vida são sexo, ultra-violência e, a música de Beethoven. Juntamente com o seu gang, ou segundo Alex, os seus compinchas, todas as noites, percorrem as ruas de uma Londres futurista para espalhar a violência e o caos por onde passam. Numa dessas incursões nocturnas, após ter violado uma rapariga, Alex é preso e submetido a uma terapia revolucionária que defende que Alex poderá ser curado, criando nele um sentimento de aversão à violência. Mas esta terapia tem os seus limites e falhas e terá obviamente as suas consequências…

Tudo em Laranja Mecânica é perfeito. Visualmente é arrebatador. A realização de Kubrick (como sempre) é sublime e cada cena é magistralmente filmada. O argumento é bastante inteligente, criando uma narrativa cativante e as interpretações são soberbas, nomeadamente a de Malcolm Mcdowell, que é simplesmente genial na concepção de Alex. É uma interpretação sem dúvida merecedora de Óscar. A título de exemplo, na cena inicial, em que a câmara se vai aproximando de Alex, o actor consegue transmitir a personificação do mal, apenas através da expressão facial...Brilhante!

Mas para além de tudo o que foi dito, o que de facto contribui para a grandiosidade do filme é a música. Kubrick recorreu a uma das primeiras formas de arte, a música clássica (predominantemente Beethoven), conseguindo criar uma ambiência única no filme, aliás revolucionando o cinema da época, fazendo despertar a extrema importância da música na criação de uma película.

Trata-se, portanto, de um filme algo pesado, é certo, mas de uma beleza extrema. É mais que cinema, é pura arte.

Kubrick cria um estudo profundo sobre a manipulação da mente e a natureza do mal e critica os programas de reabilitação e a perda da liberdade de escolha. Tudo é executado de forma perfeita, ou não estivéssemos na presença de Stanley Kubrick, o realizador perfeccionista.

Citando Martin Scorcese:
“Um filme de Stanley Kubrick, vale por dez filmes de qualquer outro realizador…”

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