segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Uma questão de imagem.

A imagem inicial dos Beatles,ou melhor, aquela conservadora, de fato, e gravata, transmitindo a ideia de meninos bem comportados, foi construída cirurgicamente pelo empresário, Brian Epstein. Descendente de uma família judaica, conservadora, completamente integrada no seio da classe media alta de Liverpool, Brian teve a consciência plena de que o mundo, não estava preparado para receber de braços abertos, uma banda cujos elementos, se apresentavam todos vestidos de cabedal, com botas de "cow-boy", por cima das calças, e com as "poupinhas", cheias de brilhantina. O mundo estava a sair de uma guerra e queria, paz, estabilidade,e Brian entendeu que aqueles meninos de fato e gravata, poderiam transmitir, um sentimento de harmonia, sossego e boas maneiras. Por isso, Epstein mandou-os todos ao alfaiate, para que se vestissem como ele, e chegou ao requinte de exigir que trocassem a marca de cigarros, que fumavam, para uma que não fosse "proletária". Pete Best, o baterista na época, recusou-se a cortar a "poupa" e a vestir o fato. Epstein,não teve dúvidas, não hesitou e substituiu-o por Ringo Starr com o aval do mudo, de John, Paul e George.
Estes, quando tomaram consciência do seu poder, da sua força decisória, passaram progressivamente a abandonar o visual "limpinho", e a adoptarem um estilo mais rebelde mais free, mais pessoal. A reviravolta veio em 1967, com o mergulho na psicodelia e nas roupas hippies. Mas, antes disso, a insatisfação com as enfastiantes e ridículas sessões de fotos promocionais, sempre de fato e gravata, provocaram a revolta, principalmente em Lennon, que, em 15 de Março de 1966, chamou o fotógrafo oficial da banda, Robert Whitaker, o mesmo que idealizaria a célebre capa do LP Sgt.Pepper's Lonely Hearts Club Band, para uma brincadeira que acabaria em grande confusão. Os quatro imaginaram o que fariam se tivessem o poder de planear, dirigir e executar uma sessão de fotos. O propósito central seria destruir a imagem de "bonitinhos e ingénuos", a partir do choque e do "nonsense". Por isso, a sessão foi baptizada por eles como "Aventura sonâmbula". Cada um dos quatro sugeriu uma situação para ser fotografada, como a que os Fab Four, mostram, resmas de salsichas a uma menina assustada.
Mas a ideia de Whitaker, apoiada com gosto por Lennon, foi a mais chocante. Ele sugeriu que os quatro posassem com aventais de talhante, segurando pedaços de carne e ossos - e rodeados por bonecas decapitadas, mutiladas e com várias dentaduras e olhos de vidro. Durante muitos anos, especulou-se que isso teria sido feito para provocar a gravadora Capitol, que editava os discos dos Beatles nos Estados Unidos. Isto porque, em vez de reproduzir fielmente a discografia que saía na Inglaterra, o pessoal lá das américas, mutilava os discos e lançava, dúzias de coletâneas em que misturavam os temas dos vários Lps, lançados na época, sem o menor critério, e sem autorização e conhecimento dos Beatles,-que passavam horas a decidir o alinhamento das músicas nos Elps, e a escolherem as capas dos mesmos,-para multiplicar a oferta e o lucro. Quando os Beatles pisaram pela primeira vez, a terra do Tio Sam, ficaram confusos e indignados com a quantidade de discos deles que nunca tinham visto ou ouvido falar. Lennon, no famoso show no Shea Stadium, em Nova York (Agosto de 1965), apresentou assim uma das canções que iam tocar: "Esta é do Beatles 4 ou do Beatles 5, sei lá, não conheço esse disco".
Ou seja: a Capitol fazia um serviço de "corte", retalhando a "carne" (obra) da banda de Liverpool - e a sessão de fotográfica, denunciaria sutilmente isso. Segundo o fotógrafo, porém, as imagens foram feitas por brincadeira e não seriam utilizadas como material promocional. Algumas acabaram saindo, discretamente, no verso da capa de algum disco obscuro ou em revistas sobre música, sem destaque. Mas a bomba explodiu quando, em Junho de 1966, um qualquer "chico esperto" teve a brilhante ideia de escolher uma das fotos da sesão do talho, para a capa de mais uma coletânea caça-níqueis da Capitol para o mercado americano, "Yesterday and today". Ao chegar às lojas, a capa provocou forte reação negativa dos consumidores, levando a gravadora a recolher o que pôde e substituir, cinco dias depois, por outra capa, menos "sangrenta", e mais ao estilo conservador a que haviam habituado o público.






Hoje, as capas originais, com a carne e as cabeças decapitadas, chegam a ser vendidas na casa dos 10 mil dólares, por coleccionadores de todo o mundo. Pode parecer loucura, mas é um óptimo investimento. E á medida que os anos passam, as raras cópias do Lp com os Beatles todos ensanguentados a segurarem partes das bonecas mutiladas, dobraram o preço.
Na época, os Beatles não disseram uma palavra sobre o assunto. Vinte anos depois, Paul McCartney comentou apenas que a carne utilizada na sessão parecia "apetitosa".

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