sexta-feira, 6 de março de 2009

Bruce Springsteen - Working On A Dream

"Durante as últimas semanas de mixagem de 'Magic', gravá-mos uma canção chamada 'What Love Can Do'. Era uma grande canção, mas parecia mais a primeira faixa de um novo disco, ao invés de algo que coubesse em 'Magic'. Então, o nosso produtor Brendan O'Brien disse:
"Vamos fazer um novo disco agora mesmo!" Eu pensei: 'Não!'. Eu nunca tinha feito nada disso, depois dos meus dois primeiros discos, que foram lançados no mesmo ano".
Foi assim que Bruce Springsteen comunicou ao seu público que lançaria um novo disco apenas 14 meses após o lançamento do anterior "Magic" (2007). Para um artista do porte de Springsteen, 14 meses é pouco. Ainda mais levando em conta que o compositor norte-americano emendou uma tourné que rodou os Estados Unidos e a Europa com a gravação do álbum.
Antes de "Magic", Bruce Springsteen havia lançado "The Rising" (2002). Os discos marcaram o reencontro do cantor com a sua E Street Band, da qual estava separado havia mais de dez anos. E o reencontro não poderia ter sido melhor. Se a década de 90 passou de forma monótona e sem inspiração para Springsteen, o milénio começou com a temperatura máxima. "The Rising" já era um belo álbum. "Magic" conseguiu superá-lo. E, agora, não chega a ser surpresa o facto de "Working On a Dream" ser o melhor dos três.
O mais curioso é que, devido á rapidez das gravações, poder-se-ia pensar que "Working On a Dream" não estaria á altura de seus antecessores. Quem se apressou em tirar esse tipo de conclusão, rrependeu-se. "Working On a Dream" é um disco sólido, cheio de grandes canções, e com a E Street Band no auge de sua forma (pelo menos, até agora). Sem dúvidas, é o álbum mais sólido da carreira do The Boss desde "Born To Run", de 1975. Springsteen está a cantar como nunca, muito mais lúcido e menos raivoso.
As suas canções permaneceram fortes como as dos álbuns anteriores. Entretanto, o que realmente se destaca em "Working On a Dream" é o facto de as suas faixas serem musicalmente mais trabalhadas. E o mesmo ocorre com as letras. Diferentemente das canções politizadas de "The Rising" e "Magic", ambos escritos durante a era Bush - e o primeiro, no calor dos acontecimentos dos atentados do 11 de Setembro -, as de "Working On a Dream" são mais solares, esperançosas e tematicamente variadas, provavelmente frutos da iminente eleição de Barack Obama, candidato que Bruce Springsteen apoiou desde o primeiro minuto.
"Working On a Dream" começa com uma canção que já pode ser incluída entre as melhores do ano. "Outlaw Pete", com os seus oito minutos de duração, é um tipo de música que dificilmente seria imaginável num álbum de Bruce Springsteen. Pode ser considerada a equação perfeita entre o Bruce Springsteen trovador de "Nebraska" (1982) e o Bruce Springsteen vibrante com a E Street Band dos anos 00.
A faixa seguinte, "My Lucky Day", lembra os melhores momentos de "The Rising" e "Magic", assim como a tocante "This Life". "What Love Can Do" segue num estilo parecido, mas com alguma influência dos The Byrds, no arranjo vocal final. Já "Surprise, Surpise" é o tipo de música no melhor estilo pop-rock retrô, que bandas da moda como os The Killers sonham, mas que dificilmente conseguirão fazer.
A faixa-título e "Kingdom of Days" podem ser chamadas de típicas canções de Bruce Springsteen, com os seus refrões orelhudos e o elaborado acompanhamento da E Street Band. Já a country "Tomorrow Never Knows" faz o link com o álbum "We Shall Overcome", no qual The Boss cantou os sucessos de Pete Seeger. A slide guitar dá um charme a mais à música. A bluesy "Good Eye", cheia de gaitas e vozes com efeito, mostra que o novo disco de Bruce Springsteen é, musicalmente, um dos mais (ou o mais) diversificados de toda a sua carreira.
Em "Working On a Dream", Springsteen volta a privilegiar as baladas, que ficaram um pouco esquecidas nos dois discos anteriores. O melhor exemplo é "Queen Of The Supermarket", com uma sonoridade e vocais, de certa forma, propositadamente pimba - até mesmo a letra, que fala de um tipo apaixonado por uma miúda que trabalha num... supermercado. (A rapariguyinha do Shopping Center, do T/Veloso).A singela "The Wrestler" (faixa-bônus do álbum), com voz, piano e violão de Bruce Springsteen, é melhor do que qualquer canção solo que o músico gravou desde "Nebraska".
A arrepiante "The Last Carnival" foi composta em homenagem ao falecido teclista da E Street Band, Danny Federici, que morreu vítima de um melanoma no ano passado, mas chegou a participar nas gravação de algumas faixas do disco. O folk-gospel embala uma das melhores letras de toda a carreira de Springsteen: "We'll be riding the train without you tonight / The train that keeps on moving / It's black smoke scorching the evening sky / A million stars shining above us like / Every soul living and dead / Has been gathered together by God to sing a hymn / Over the old bones / Sundown, sundown / They empty out the fairgrounds / Where are you now my handsome Billy?"
Num perfil brilhante de Springsteen, assinado por David Fricke na edição de 05 de Fevereiro da Rolling Stone norte-americana, o cantor, disse o seguinte sobre o seu ex-companheiro de banda: "Ele é o tipo de pessoa com a qual se consegue um milagre. E o amor que vem dessa relação é maior do que qualquer animosidade. É estranho o modo que a sua morte permanece entre nós."
Certamente, a perda do amigo e companheiro foi um dos grandes motivos de Springsteen ter gravado um álbum tão magnífico. E tributo maior do que esse não haverá. Federici deve estar rindo de orelha a orelha lá no andar de cima. E nós, meros mortais, aqui embaixo.

Sem comentários: