quarta-feira, 25 de março de 2009

Midnight Cowboy



O mito do cowboy encarnado de forma quixotesca, compondo uma alegoria ao sonho americano.

Género cinematográfico por excelência, foi justamente o western, o que Clint Eastwood define como a forma de arte genuinamente norte-americana, o mais simbólico e emblemático dos territórios para a criação de lendas no cinema.
E a figura do cowboy, seu estandarte, seu mito definitivo.
Este arquétipo do herói americano, do homem virtuoso e destemido penetrou no imaginário colectivo dos EUA ,e sem dúvida mundial também, de modo que sua imagem passou a ser uma referência de status, de independência e autoconfiança, de um modo de vida livre e atraente. Tamanha é a carga simbólica intrínseca ao modelo do cowboy, que este já foi motivo de campanhas publicitárias tão vastas, agregando valor, desde marcas de jeans até cigarros, e que mesmo depois de tantos anos, permanecem ainda inesquecíveis.
No entanto, um dos mais belos e premiados filmes da história de Hollywood a tratar da figura do cowboy no imaginário não é um western. Nem sequer há um cowboy verdadeiro no enredo.
Grande vencedor do Oscar de 1970. Melhor filme, melhor realizador, melhor argumento adaptado. “Midnight Cowboy" conta a saga de Joe Buck (Jon Voight), um jovem ingénuo e sonhador do interior do Texas que abandona um emprego num restaurante para, vestindo um traje de cowboy, tentar ganhar a vida em Nova York como ,"chulo". Isso mesmo.
Resumindo, é o conto do jovem iludido que parte da sua terra natal em busca da "big city", e das oportunidades. Personificando a imagem idealizada e que apreendeu, vendo filmes com John Wayne, ao chegar lá, constata que as coisas não acontecem como ele havia planeado. A dura realidade vai de encontro ao protagonista, esmagando-o na sua ingenuidade. Lembranças e traumas mal resolvidos no passado vêm à tona demonstrando toda a fragilidade de Joe, um “cowboy” perdido na selva de pedra. Completamente mal-adaptado à sociedade, irá encontrar a redenção na única relação pessoal genuína que pode concretizar, na amizade que constrói com um marginal, o sem-teto, Ratso (Dustin Hoffman).


O filme foi dirigido pelo inglês John Schlesinger, facto que já explica grande parte da linguagem peculiar do filme – repleto de flashbacks e fluxos de consciência bem à moda do filme "8½ "de Fellini, principalmente no que se refere às lembranças de experiências religiosas do protagonista. Schlesinger é oriundo da cena britânica dos fins da década de 50, de onde surgiu o movimento de vanguarda chamado “Free-Cinema”, que mais tarde, já início da década de 60, teve papel decisivo no então movimento “British New Wave”, algo como a Nouvelle Vague dos ingleses.
Além de propor um corte com a linguagem cinematográfica tradicional, as produções do período davam a vez aos “young angry men”, personagens jovens, rebeldes e incompreendidos, marginalizados e errantes. O ponto alto deste cinema inglês é "Saturday Night and Sunday Morning", de Karel Weisz. Partindo deste celeiro, Schlesinger rumou para a América, aonde em "Midnight Cowboy", realizou a sua obra prima.
O filme é apresentado como uma abordagem a formas poéticas, e de maneira nenhuma, de modo panfletário ou moralista. É tratada a questão da identificação e da projecção que o público estabelece ao entrar em contacto com as grandes histórias e heróis do cinema. Magistralmente Schlesinger, coloca como cidadãos comuns, podem incorporar a fantasia , o grande sonho que é o cinema, o desejo de triunfar na vida baseando-se em personagens irreais. Mas foca-se em especial na relação com o western .
De Jean Luc-Godard, a David Lynch, que em, "Mulholland Drive" , o seu filme que versa sobre o imaginário, sonhos e ambição em Hollywood, também encontramos lá o símbolo do cowboy. É inegável o apelo do género. Mal grado este aspecto do filme, "Midnight Cowboy", ainda conseguiu a façanha de ser um dos grandes precursores de todo o “American Art Film” que viria nos anos 70 nos EUA com directores como Peter Bogdanovich, Francis F. Coppola, Martin Scorsese entre outros, que com uma carga mais autoral, realizariam produções de temática mais crua e pesada, tratando de temas urbanos urgentes, como drogas e prostituição.
Em 1969, surpreendentemente a academia premiava este filme que exibia uso explícito de drogas, prostituição masculina, homossexualismo e sexo oral, promovendo uma quebra de tabus sem precedentes na indústria americana. Assim como os contemporâneos "Easy Rider" e "Bonnie & Clyde", "Midnight Cowboy" era um reflexo do seu tempo, das transformações dos valores sociais que tomaram forma a partir daquela década. E o cinema americano abria espaço para personagens principais que, opondo-se ao típico herói do cinema clássico, pela primeira vez mostravam-se frágeis e indecisos, mais crediveís, por se assemelharem ao comum homem da da rua.


As actuações de Jon Voight e Dustin Hoffman, absolutamente inesquecíveis, frequentemente são apontadas como o grande ponto alto de suas carreias e, falando em Hoffman, não quer dizer pouca coisa. Tão marcantes e inesquecíveis que fazem deste filme um dos mais lembrados e parodiados não só no cinema, mas da cultura pop em geral. A frase “I’m walking here”, que dada altura do filme o coxo, personagem Ratso exclama ao atravessar a rua já foi incluída em diversos filmes posteriores, presente até em "Back to The Future 2".
As cenas de Joe Buck caminhando deslocado pelas ruas de Nova York ao som de “Everybody’s Talking’”, de Harry Nilsson, foram parodiadas em Borat. O filme ainda inspirou o clipe da música “Devil’s Haircut”, do cantor Beck. Porém talvez nada disso possa exemplificar melhor a aura e o sentimento deste longa-metragem da que é, de acordo com a opinião deste editor, a mais bela música /tema ,de um filme já realizada. Composta por John Barry, e interpretada por Harry Nilsson, “Midnight Cowboy ”, com a sua melodia entoada na harmônica de boca, representa tudo o que no filme , se constata: a solidão de cada indivíduo impulsionado pelos seus sonhos frente à melancolia da vida.

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